Laboratório de Química do Estado Sólido
 LQES NEWS  portfólio  em pauta | pontos de vista | vivência lqes | lqes cultural | lqes responde 
 o laboratório | projetos e pesquisa | bibliotecas lqes | publicações e teses | serviços técno-científicos | alunos e alumni 

LQES
 lqes responde
H1N1

sopa primordial

propriedade intelectual

o que é uma nanopartícula?

elipsômetro

lápis-lazuli

cosméticos

genéricos

cartilha de produtos clandestinos

controle de produtos químicos

água grau reagente

reprografia e direito autoral

caderno de laboratório


recomendações de segurança

pilhas e baterias: descarte

nomenclatura e símbolos IUPAC

acrônimos

glossário lqes

abreviaturas de periódicos

conheça um laboratório

redigir trabalhos científicos

o que são patentes?

 
O CADERNO DE LABORATÓRIO

Em virtude de perguntas feitas ao LQES Responde quanto à função, utilidade e importância do Caderno de Laboratório e, ainda, sobre a situação do mesmo frente à sua eventual substituição por registros eletrônicos - modificáveis a todo momento -, saímos a campo. Alguém já se debruçou sobre o tema, e o resultado de nossa pesquisa está aqui: um texto que coloca exatamente esta questão. Agora é ler e tirar as próprias conclusões!

Em tempo - O Laboratório de Química do Estado Sólido já adota política no sentido de preservar as informações sobre os trabalhos desenvolvidos no Laboratório, não só na forma de manutenção dos Cadernos de Laboratório, mas também do registro eletrônico de todos os dados envolvidos em cada Projeto (Planos de Pesquisa, Relatórios de Progresso, Comunicações em Congresso, Posters, Seminários, etc.).

Maria Isolete Alves, Managing Editor.


Rastreando os traços escritos da ciência: o caderno de laboratório

Os arquivos científicos contemporâneos estão na encruzilhada de numerosos questionamentos sobre a evolução do patrimônio escrito. Com o desenvolvimento da informática, os rascunhos da pesquisa científica, os documentos preparatórios para a exposição de resultados são, nos dias de hoje, raramente conservados. O mesmo se dá com as trocas escritas entre pesquisadores, agora feitas eletronicamente.

O curso real, progressivo, do trabalho de pesquisa, com suas tentativas, suas interrogações, suas hesitações é, pois, de difícil reconstituição. Um dos únicos documentos a ter logrado escapar dessa supressão de traços é o caderno de laboratório. Pessoal - único por seu modo de escrita e seu conteúdo -, o caderno de laboratório permite acompanhar o desenrolar do trabalho científico. Sobre tais cadernos e seu uso nas ciências físicas contemporâneas recaiu o interesse de Odile Welfelé, Conservadora Chefe de Patrimônio (Missão de Arquivos Nacionais junto ao CNRS). O trabalho foi realizado no âmbito do Programa ARISC (Archives des Sciences Contemporaines), patrocinado pelo CNRS e Ministério da Cultura (1).


A evolução de técnicas documentais gera o desaparecimento de um certo número de suportes científicos tradicionais. Na maioria das disciplinas científicas, os manuscritos preparatórios de um artigo não mais existem enquanto tais. Os arquivos informatizados são modificados diretamente sobre a tela e suas diferentes etapas - mesmo as impressas -, geralmente não são conservadas. Não obstante tudo isto, um suporte escrito resistiu: o caderno de laboratório.

Como a proveta do químico, o caderno de laboratório é um objeto que simboliza a pesquisa científica, particularmente no que diz respeito ao trabalho quotidiano. Escrito à mão, ele é o primeiro traço individualizado de uma pesquisa, o que faz dele um objeto único. Pessoal e personalizado - esse caderno que os pesquisadores têm freqüentemente angústia de perder -, é um objeto pouco estudado e cujo status de arquivo permanece ainda mal definido. Muitas vezes ele é carregado pelo pesquisador, quando este deixa o laboratório, ato que tem conseqüências em termos de patrimônio.

No caso dos físicos e químicos, o caderno de laboratório pode se apresentar sob a forma de um caderno especial, de capa preta dura ou imitando couro, com páginas numeradas e lugar para data e assinatura, mas também sob aquela de um caderno comum, do tipo espiral e quadriculado, quando não sob a de um simples caderno de notas - embora o formato grande seja, atualmente, com freqüência, o preferido. Por conta de serem constantemente visitadas, as páginas são usadas, marcadas; quase todos os cadernos têm documentos colados sobre as páginas. Por vezes, as folhas dos cadernos são utilizadas frente e verso e, freqüentemente, numeradas e datadas.

Cada pesquisador tem seu próprio caderno. Ele o utiliza para anotações diárias sobre o desenrolar de um experimento: os dados, as medidas, as observações, os resultados, etc. Trata-se de um "diário de bordo" no qual, em princípio, tudo é consignado, inclusive erros e deslizes cometidos. Ele representa, em outras palavras, a memória imediata do pesquisador, o material em que ele se apoiará para redigir um artigo destinado à publicação.

Mas ainda que o artigo seja um documento voltado para o exterior, que opere uma encenação idealizada do processo de pesquisa - reduzido a um percurso linear desde o problema até sua solução -, o caderno de laboratório, ele mesmo, porque é a narrativa bruta da progressão do processo científico, com suas impurezas, suas pistas falsas e suas aléias é voltado para o interior: é o instrumento de trabalho pessoal do pesquisador, ao qual ele se reporta sem cessar, não só para nele registrar novas informações, mas também para confrontá-las com as antigas, completá-las, acrescentar novos comentários, etc.

Destinado ao uso somente de seu autor, ele é redigido pelo mesmo em seu estilo pessoal, suas abreviações, seus resumos, suas escolhas, suas elipses, seus jogos de palavras - todos coisas que tornam o acesso difícil a qualquer outra pessoa. Não se trata, pois, de um instrumento de transmissão de um saber ou de um savoir-faire, mas de um instrumento de elaboração do saber, contendo uma parte de implícitos muito importante - tudo aquilo que para o pesquisador diz, sem precisar ser dito, e que ele não precisa, pois, consignar, registrar. O caderno permite ao pesquisador conservar seu modo de anotar, não tendo que ficar submisso a uma técnica de inscrição e de classificação como aquela imposta pelo uso do computador.

Não há, portanto, normas para administrar o caderno de laboratório e nem, por conseguinte, o ensinamento dessas normas, e é esse caráter informal que faz com que cada pesquisador improvise a seu modo, conforme suas necessidades e suas apreciações, em seu próprio estilo. Pode-se, todavia, distinguir várias grandes tendências. Alguns fazem anotações no ato, tão logo ocorrem os eventos; outros há que preferem um resumo no final da jornada de trabalho, não anotando senão o que lhes pareça importante e certo, após discussão com seus colegas. Certos cadernos são estritamente funcionais: neles não figuram a não ser fatos científicos, o autor não se deixa perceber; outros, são mais subjetivos: o autor anota no caderno também detalhes do ambiente, comentários, impressões, dando dessa forma ao caderno uma dimensão de jornal íntimo. Encontram-se em certos cadernos de laboratório elementos constitutivos do jornal íntimo: comprimento, repetição, presença maciça de implícitos, descontinuidade, lacunas de informação, e o caráter "primeiro jato" da escrita (um primeiro jato que, não obstante, é grande parte das vezes já elaborado).

O caderno de laboratório é um objeto que permanece único por seu suporte, pelo modo de escrita e por seu conteúdo. No momento em que a tendência geral é a despersonalização dos documentos científicos - no plano formal, com a utilização do tratamento de texto comum ao mundo científico; no plano do conteúdo, com a "calibragem" imposta pelas revistas científicas -, o caderno de laboratório permanece um espaço livre, um dos últimos documentos a guardar ainda a marca da personalidade de seu autor e a permitir, a despeito de seu caráter críptico, seguir o caminho de seu pensamento.


1) O Programa ARISC (Archives Issues des Sciences Contemporaines), financiado pelo CNRS e o Ministério da Cultura (Missão da pesquisa e da tecnologia, com o apoio da direção dos arquivos da França) está ligado, há três anos, à evolução de práticas documentais nos ambientes da ciência contemporânea. Desde 1996, os trabalhos estão concentrados na evolução da escrita na memória da pesquisa, segundo dois eixos principais da produção de escritos de ciência: o caderno de laboratório e sua transcrição para meios eletrônicos.

Este trabalho foi objeto de uma comunicação quando do colóquio "L'écrit de la science" (Nice, 12-14 de março de 1998), organizado pela Revista Alliage. Seguiu-se a uma apresentação "Sur les traces de Marie Curie: être physicienne em 1998", organizada em julho de 1997, no Instituto Curie, Paris, no âmbito do Congrès International de Physique, e em janeiro de 1998, em Saint-Michel sur Orge, dentro da Semaine de la Science.

* No caso de pesquisas que implicam no depósito de patentes, a política de gestão desses documentos pode ser diferente: os cadernos são numerados, assinados e por vezes até selados por um funcionário e colocados em um cofre.

O caderno pode às vezes ser lido também pelos outros membros do laboratório, mas nem por isso o autor do caderno escreverá mais ou melhor.

Nota do Scientific Editor: Este texto é uma tradução/adaptação do original de Odille Welfelé: "Sur les traces écrites de la science: le cahier de laboratoire", feita por Maria Isolete Alves, Managing Editor do LQES Website.

 © 2001-2020 LQES - lqes@iqm.unicamp.br sobre o lqes | políticas | link o lqes | divulgação | fale conosco