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ARTIGOS DE OPINIÃO

Brasil na rota global de pesquisa e desenvolvimento.


Nas últimas duas décadas, o mundo assiste ao redesenho do mapa de investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P, D&I). Nesse processo, está diminuindo a concentração dos recursos aplicados nos e pelos países desenvolvidos, e aumentado os registrados nas economias em desenvolvimento. No entanto, há diferenças relevantes nesse último grupo, chamando a atenção para a necessidade de aplicação, pelo Brasil, de uma estratégia para fazer o melhor proveito possível do movimento em curso.

Tal movimento deve-se a diversos fatores, sendo um dos principais a inclusão de P, D&I nas políticas de desenvolvimento de vários países. Para incentivar a produção do conhecimento que é capaz de se transformar em bem ou serviço de maior tecnologia e valor agregado, esses países adotaram medidas em diferentes áreas. E empresas inovadoras que procuram reduzir custos e acessar novos processos de pesquisa não tardaram a reconhecer, nessas economias, oportunidades de investimento.

O Science and Engineering Indicators 2010, do National Science Board (NSB), dos Estados Unidos, mostra a descentralização em P&D. Em 2007, América do Norte e União Europeia respondiam por 63% do US$ 1,1 trilhão em investimentos mundiais nessa área, ante 71% em 1996. O principal ganho foi da Ásia/Pacífico, que subiu de 24% para 31%, em boa parte devido à China e tigres asiáticos. A fatia do resto do mundo subiu de 5% para 6% (2,6% são da América Latina e Caribe).

As multinacionais dos EUA são outro indicador importante. Em 1995, cerca de 90% dos investimentos em P&D de suas afiliadas (mais de 50% de capital dos EUA) foram em países europeus desenvolvidos, Canadá e Japão. Em 2006 foram 80%. Enquanto isso, as filiais na China, Coreia do Sul e Cingapura puxaram a participação da Ásia, excluído o Japão, de 5,4% para 13,5%. China e Índia, que em 1994 respondiam por menos de US$ 10 milhões cada, passaram a contar com US$ 800 milhões e US$ 310 milhões, respectivamente. No Brasil foram US$ 570 milhões, a maioria no setor automobilístico.

Para o NSB, o Brasil é um dos 15 maiores investidores em P&D. De fato, houve um salto no País, que também identificou nessa área chances de acelerar seu desenvolvimento. Segundo o Governo, os dispêndios em P&D passaram de US$ 6,64 bilhões (1,3% do PIB) em 2000, para US$ 20 bilhões (1,43% do PIB) em 2008. Isso reflete ações como as leis de patentes (1996), que foi um divisor de águas em P&D, a da Inovação (2004), a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008), a criação de órgãos como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e a reestruturação de outros como o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Reflete também a liberação de recursos do Governo e investimentos do setor privado. Com isso tudo, áreas de destaque global estão surgindo, incluindo a de saúde e biotecnologia, além da consolidação de outras, como a de tecnologia verde e de exploração petrolífera. Isso se comprova ainda pelos temas predominantes nos artigos brasileiros em publicações indexadas.

O que esses e muitos outros dados demonstram, portanto, é que o Brasil responde aos estímulos para gerar e exportar conhecimento produtivo. Mas o País deve agora avaliar os resultados obtidos desde a implantação da lei de patentes e estabelecer diretrizes para o futuro. Ainda há tempo para correções de percurso, evitando que fiquemos para trás na corrida global do conhecimento.

As travas à maior competitividade que já podem ser identificadas têm solução. Um exemplo: falta uma estratégia que coordene as ações dos atores envolvidos em P,D&I dentro e fora do Governo, o que é possível de ser feito. Isso resolveria outras questões, como o temor de algumas empresas de usar a lei da Inovação para desoneração de impostos. Como a definição de inovação na lei é ampla, teme-se que o fisco não aceite a aplicação feita. Outro exemplo são incertezas referentes à proteção da propriedade intelectual, causadas em grande parte devido ao posicionamento adotado pelo Brasil em fóruns internacionais.

Há espaço para incrementar a parceria empresas/universidades, reconhecida internacionalmente como produtiva. A parceria cresceu, mas continua em nível que impede que boa parte da produção dos cientistas atinja o mercado. A cooperação entre países - como entre governo/governo, governo/empresa, empresa/empresa, universidade/universidade e empresa/universidade - também deve ser estimulada.

Os financiamentos para P&D aumentaram, porém é necessário mais, porque os inovadores lidam com investimentos elevados e de alto risco. Os investimentos em inovação pelas filiais dos EUA no Brasil mostram áreas ainda pouco exploradas e que podem ser atrativas, como a de serviços científicos e a indústria farmacêutica.

Outro ponto crucial é educação. Nossas universidades são um foco importante de produção científica. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que em 2006, os Bric (Brasil, Índia, Rússia e China) formavam 50% mais doutorandos que a OCDE. Mas outros dados nessa área mostram diferenças. Segundo o NSB, de 1980 a 2000, a fatia de China de pessoas com terceiro grau passou de 5% para 11% do total mundial. O da Índia subiu de 4% para 8%. O Brasil ficou estagnado em 2%.

O Brasil está amadurecendo rapidamente em P,D&I e por isso deve ter uma estratégia para utilizar melhor suas capacidades competitivas. O mais preocupante é que estamos perdendo terreno em diversos aspectos para vários asiáticos. Poucas são as economias em desenvolvimento com atrativos como a nossa - como estabilidade econômica e política, segurança nas regras de propriedade intelectual e presença de empresas multinacionais no mercado há mais de 100 anos. Por isso, aqui dentro é preciso equacionar os gargalos para a inovação e, no exterior, é fundamental promover esses ativos.

Valor Econômico.


Nota do Managing Editor: esta matéria, de autoria de Ricardo Camargo Mendes, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Cambridge e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria em Negócios Internacionais, foi primeiramente veiculada no jornal Valor Econômico, de 30 de abril de 2010.


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