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Nanopartícula pode ser tóxica, diz estudo.


Em seu livro "Presa", o escritor americano Michael Crichton (autor, entre outras obras, de "Parque dos Dinossauros") monta um futuro ameaçado por minúsculos robôs auto-replicáveis, que começam a consumir o planeta.

O quadro ainda faz parte da ficção científica, mas não são todos que acreditam em uma nanotecnologia inerentemente segura.

Não é fácil desvincular o medo dos efeitos da nanotecnologia, ciência dos muito pequenos, em escala de um bilionésimo de metro. Não há evidências de riscos, mas isso não significa sua ausência.

Só agora os cientistas começam a desvendar exatamente como nanopartículas especialmente montadas - ingrediente básico da nanotecnologia - poderia afetar a saúde do homem se acabassem caindo no ambiente externo, longe dos laboratórios.

Muito desta pesquisa gira em torno de um grupo de 60 átomos de carbono conhecido como "buckybola", ou fulereno, que pode ser usado como tijolo para todo tipo de material e medicamento.

Buckybolas possuem características memoráveis: se uma delas (que têm o tamanho de um vírus) é lançada contra uma placa de aço a 24.000 km/h, sai intacta. Achatada, torna-se duas vezes mais dura do que o diamante. Ela é oca, então pode comportar outras moléculas em seu interior.

Contudo, estudos sugerem que as mesmas propriedades que torna os fulerenos úteis os convertem em tóxicos. A primeira evidência apareceu no início deste ano.

A toxicóloga americana Eva Oberdorster, da Universidade Metodista do Sul, em Dallas, publicou um estudo mostrando como peixes salmonídeos black bass (Micropterus salmoides), depois de dois dias imersos em um tanque com buckybolas, sofreram danos nas membranas de gordura que protegem o tecido cerebral.

Agora, cientistas da Universidade Rice, em Houston (EUA), mostram como funciona esse mecanismo. A pesquisa, publicada no periódico "Nano Letters" (pubs.acs.org/journals/nalefd), é a primeira a observar os efeitos tóxicos dos fulerenos em células humanas.

"É importante entender [o funcionamento], pois então é possível mudá-lo", afirma Kristen Kulinowski, diretora do Centro de Nanotecnologia Biológica e Ambiental da universidade.

Na experiência, células hepáticas e epiteliais foram expostas a concentrações diferentes de fulerenos. Quatro soluções foram testadas: uma continha as esferas em estado puro e três tinham outras moléculas grudadas.

A equipe mediu quantas células morreram em 48 horas e repetiram o teste até encontrarem o nível de exposição que matava metade das células presentes em cada uma das soluções.

A versão "pura" destruiu as células em uma concentração de 20 partes por bilhão, mas uma concentração 10 milhões mais forte seria necessária para transformar os fulerenos em tóxicos.


Equilíbrio energético

Todas as moléculas são cercadas por seu halo particular de elétrons. Porém, no caso dos fulerenos, o halo parece dilacerar sistemas biológicos.

"O fulereno tem a chamada afinidade eletrônica alta, ou seja, ele puxa elétrons de outras moléculas com as quais tem contato", explica Kulinowski.

Quando uma molécula perde tal partícula, ela permanece com um número ímpar de elétrons -e recebe o nome de radical livre. Em nome do equilíbrio, ataca outras células para captar elétrons extras e danifica as membranas celulares, formando buracos.

Enquanto isso, os fulerenos permanecem estáveis porque a energia captada pelos elétrons extras se distribui uniformemente em sua estrutura esférica, o que explica serem extremamente fortes.

"Acrescentar pequenas moléculas à superfície das buckybolas interrompe a estrutura eletrônica e as tornam menos amigáveis para elétrons extras, então não seriam produzidos tantos radicais livres", afirma Kulinowski.

Contudo, ela diz que mais pesquisas devem ser realizadas sobre a relação entre estruturas e funções antes que sejam tiradas conclusões sobre nanopartículas desenhadas.

Além disso, faltam estudos sobre seus efeitos no corpo, onde mecanismos de reparação celular funcionam de formas variadas.

"Cada célula é cercada por uma membrana. Seria péssimo se nanopartículas terapêuticas fossem jogadas na corrente sangüínea e formassem buracos nos vasos. Mas simplesmente não sabemos se funcionaria dessa forma", diz Ken Donaldson, da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

No experimento feito por Eva Oberdorster, os fulerenos aparentemente chegavam ao cérebro dos peixes quando absorvidos pelas brânquias, que jogavam as nanopartículas no sangue.

Contudo, a toxicóloga alega não ter observado mudanças comportamentais nos animais.

"Eles comiam bem e, quando tentávamos capturá-los com uma rede, procuravam escapar como era esperado", afirma Oberdorster. "Acreditamos que o estrago era tão debilitante quanto uma enxaqueca bastante forte."


Nota do Managing Editor: Christine Evans-Pughe escreveu este artigo para o jornal The Independent (Reino Unido). O mesmo foi veiculado, em português, pelo jornal Folha de São Paulo, em 28 de dezembro de 2004, Folha Ciência, p. A4. O livro de título Presa, de Michael Crichton, ao qual o artigo faz referência, foi lançado pela Editora Rocco, em agosto de 2003. Sinopse em:
http://www.maremoto.com.br/livros_template.asp?Codigo_Produto=3983
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