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Fraude Científica : a linha amarela foi ultrapassada !


Hoje é certo que o célebre pesquisador sul-coreano Hwang Woo-suk não criou jamais células-tronco específicas para pacientes, não obstante suas afirmações à prestigiosa revista "Science", em maio de 2005. No referido artigo, o professor Hwang Woo-suk havia afirmado ter criado, por clonagem, células-tronco para 11 pacientes, abrindo, assim, novas perspectivas para terapias adaptadas às enfermidades de difícil tratamento.

Tal avanço foi unanimemente saudado pela comunidade científica e fez de Hwang-Woo-suk um sério candidato ao Prêmio Nobel. Entretanto, uma investigação feita por experts, nomeados após as acusações feitas ao professor Hwang por um de seus antigos colaboradores concluiu, em 23 de dezembro passado, que os resultados de pelo menos 11 linhagens de células-tronco tinham sido falsificados, sendo que duas últimas ainda estão sob investigação.

"A investigação não encontrou células-tronco correspondentes ao DNA dos pacientes referidos no artigo de 2005, publicado na Science", o que levou a pensar que a equipe de Hwang não verificou seus dados científicos para mostrar que as células-tronco haviam sido criadas", declarou o reitor da Universidade de Seul, Roe Jung-hye. Na seqüência dessa constatação acusatória, Hwang Woo-suk teve que deixar suas funções na Universidade de Seul.

Mas, o pesquisador sul-coreano Hwang Woo-suk falsificou, igualmente, uma outra descoberta, reivindicada em 2004, segundo um relatório publicado no dia 10 de janeiro, por uma comissão de investigação independente. Uma comissão de nove membros da Universidade Nacional de Seul, estabelecimento ao qual pertence o pesquisador, concluiu, de fato, que a linhagem de células-tronco que o Dr. Hwang afirmara, em 2004, ter extraído de um blastócito produzido por clonagem, "não era proveniente de um embrião humano obtido por clonagem".

Esta fraude científica, por sua natureza e vulto, é tão grave que não arruinou apenas a carreira de um pesquisador brilhante, mas também coloca à prova e suspeição todos os pesquisadores honestos que, através do mundo, trabalham nessa área de pesquisa estratégica, que constitui a pesquisa sobre células-tronco e clonagem terapêutica.

A história da pesquisa científica é, infelizmente, salpicada de fraudes desse gênero, cujas conseqüências são desastrosas para a ciência, congelando durante decênios todos os avanços científicos reais e provocando lamentáveis regressões conceituais e teóricas.

A impostura científica mais célebre, e também a mais desastrosa, sem dúvida é aquela do biólogo soviético Lyssenko que conseguiu, durante mais de 30 anos, entre 1930 e 1960, erigir em dogma científico oficial teorias delirantes, negando todos os créditos da teoria genética de Mendel, condenando-a como ciência "burguesa", que sustentava que é possível modificar as características genéticas de uma planta, agindo sobre seu meio ambiente, ou, ainda, que é possível dar origem a uma espécie vegetal a partir de outra.

Antes, em 1912, o paleontólogo britânico Arthur Woodward tinha apresentado à comunidade científica os restos do "primeiro europeu". O chamado "homem de Piltdown" era uma farsa, que associava o crânio de um homem moderno à mandíbula de um grande macaco, provavelmente um orangotango.

Nos anos 90, Hendrick Schon - autor de 16 trabalhos reportados em publicações de grande prestígio, num espaço de dois anos -, parecia estar partindo para revolucionar a área dos materiais supercondutores. Pesquisador do Bell Labs. (EUA), Schön foi desmascarado como reles impostor.

Outras "descobertas", embora sem constituir-se em fraudes deliberadas, não puderam jamais ser confirmadas ou reproduzidas, de maneira rigorosa e incontestável. É notadamente o caso da fusão nuclear "a frio" (fusão a frio), dos americanos Stanley Pons e Martin Fleischmann, que outras equipes jamais puderam reeditar.

O escândalo da fraude científica coreana é revelador da pressão que pesa sobre os pesquisadores, cada vez mais forte, e também da competição desenfreada entre laboratórios, equipes e países, que conduzem - com grande freqüência -, certos pesquisadores a transpassar regras metodológicas e éticas fundamentais.

Esta alarmante evolução tem igualmente origem no fato de que a carreira dos pesquisadores depende da freqüência de suas publicações em revistas prestigiosas, como a americana Science e a britânica Nature. Todas as grandes instituições de pesquisa, compreendidas também aquelas com financiamento público, fazem contagens estatísticas das publicações de seus funcionários, visando sua posição no ranking da comunidade científica internacional.

Estudo realizado junto a 3.200 pesquisadores americanos, publicado em 2005 na revista Nature, revelou que 0,3 % dos pesquisadores interrogados tinha, deliberadamente, falsificado seus trabalhos (ou usado de expedientes condenáveis), ao longo dos três anos precedentes. A proporção chegou até 15% (20,6 % para os pesquisadores em meio de carreira), quando foram indagados se, "após pressões exercidas por uma fonte de financiamento", haviam mudado sua metodologia. "Nós estamos preocupados com a percepção que têm os pesquisadores do processo de distribuição de financiamentos", sublinhando que os autores questionam não só os mecanismos de publicação científica, mas também a atribuição de bolsas e de empregos aos pesquisadores.

Devemos esperar que o escândalo das células-tronco coreanas, que coloca grave descrédito sobre o conjunto da pesquisa biológica, provoque, enfim, um eletrochoque salutar no seio da comunidade científica e entre os responsáveis políticos, e que isto faça com que, sem tardar, tenhamos uma profunda reforma na organização e nos mecanismos da pesquisa científica, a fim de permitir tanto uma avaliação mais rigorosa dos trabalhos e das publicações científicas, quanto melhor prevenção contra imposturas, de conseqüências cada vez mais danosas, para a pesquisa e o progresso científico.


Nota do Managing Editor: o Editorial aqui apresentado é de autoria de René Trégouet, Senador Honorário da República Francesa e Fundador do Grupo de Prospectiva do senado francês. Foi publicado no Boletim RT Flash (http://www.tregouet.org), em 20 de janeiro de 2006. A tradução e adaptação para português foram feitas por Maria Isolete Alves, Managing Editor do LQES NEWS.

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