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ARTIGOS DE OPINIÃO
Premio Nobel de Química 2009 : Uma crônica pessoal. Como todo início de outubro, a comunidade científica internacional acompanhou com grande expectativa a escolha dos agraciados com o Prêmio Nobel nas áreas de Medicina, Física e Química. Sem entrar no mérito das escolhas, assunto frequentemente polêmico, o Prêmio Nobel de Química de 2009 teve um significado especial para mim pelo fato da longa amizade com o Tom Steitz, um dos recipientes deste ano. Em setembro de 1962, Tom Steitz e mais 25 alunos (o número exato não vou lembrar) ingressamos como alunos de pós-graduação no Departamento de Química da Universidade de Harvard. Conheci o Tom logo nos primeiros dias porque morávamos na mesma residência universitária (Child Hall) sendo o nosso quarto um frente ao outro. Após o primeiro ano, nós dois e outro aluno de pós-graduação da nossa turma, Stephen Coutts (fez doutorado com Frank Westheimer e hoje Presidente da Biocept em San Diego), alugamos um apartamento e durante 3 anos convivemos as alegrias e angústias de todo pós-graduando. O Tom tinha se formado no Lawrence College, uma instituição universitária, de porte pequeno na época e de reconhecida qualidade na formação de alunos de graduação com um perfil generalista, localizada em Appleton, Wisconsin. O primeiro semestre, dedicado exclusivamente às disciplinas de pós-graduação, representava um período de adaptação ao estilo de Harvard, para os ingressantes na pós-graduação vindos com bagagem diversa da graduação de universidades e "colleges" diferentes, e um período para escolha do futuro orientador. Foi uma época dourada do Departamento de Química de Harvard, que incluía Bioquímica, que nesses anos contava com grandes nomes, entre outros, tais como: a) em Química Orgânica como Robert Woodward (Premio Nobel de Química, 1965), Elias J. Corey (Premio Nobel de Química, 1990), Paul D. Bartlett; b) em Físico-Química, Dudley Herschbach (Premio Nobel de Química, 1986), William N. Lipscomb (Premio Nobel de Química, 1976), E. Bright Wilson; c) em Bioquímica, Konrad Bloch (Premio Nobel de Medicina, 1964); Frank Westheimer, Paul Doty. Durante esses anos ainda estariam no Departamento como pós-doutorandos Roald Hoffman (Premio Nobel de Química, 1981) e Yuan T. Lee (Premio Nobel de Química, 1986). Acredito que o Tom Steitz ficou muito entusiasmado logo em outubro de 1962 quando J. D. Watson, então no Departamento de Biologia, recebia aos 34 anos o Premio Nobel de Medicina pela elucidação da estrutura do DNA. Isto o fez procurar o Prof. Bill Lipscomb para desenvolver a sua tese de doutorado trabalhando em cristalografia de raios-X para determinação de estrutura de biomoléculas. Conversávamos bastante com o Tom sobre determinação de estrutura, ele dedicado a resolver a estrutura da carboxipeptidase por raios-X e eu usando técnicas espectroscópicas para determinar a estrutura de moléculas pequenas. Como tinha tido bastante cristalografia durante o curso de Físico-Química na graduação, tinha muito interesse no trabalho do Tom por ver como se aplicavam na prática conceitos e técnicas como espaço recíproco, fatores de espalhamento, mapas de Patterson, análise de Fourier, etc. A determinação de uma estrutura como a carboxipeptidase requeria usar o método de incorporação de um átomo pesado (no caso Zn) e a análise dos dados obtidos por raios-X era extremamente vagarosa pelos recursos computacionais existente na época. Além do trabalho científico, tivemos oportunidade de assistir a vários concertos da Sinfônica de Boston e o Tom participava ativamente do coral nos serviços religiosos na capela de Harvard. No apartamento, revezávamos semanalmente na condição de cozinheiro para o jantar e ao que me consta o Tom é atualmente um grande especialista em cozinha oriental. Em 1963, ingressava com a nova turma de pós-graduandos uma moça bonita, charmosa e muito inteligente, Joan Argetsinger, vinda de Antioch College e que viria a ser a primeira mulher a fazer o doutorado com J. D. Watson. Em pouco tempo, a Joan virou a alma gêmea do Tom e eles acabaram se casando no fim do doutorado dela (1967) quando já o Tom realizava um estágio de pós-doutorado no mesmo laboratório onde tinha obtido o doutorado. Os dois partiram para o Medical Research Council em Cambridge, Inglaterra, para um longo período de pós-doutorado de 1967 a 1970, época na qual, já no Brasil, mantinha um contato esporádico com eles. Em 1970, e numa contratação quase inédita para os padrões norte-americanos da época, o Tom e a Joan foram contratados pela Universidade de Yale onde ambos viriam a desenvolver carreiras científicas brilhantes seguindo caminhos paralelos mais totalmente independentes. De fato, em todo esse tempo, existe apenas uma publicação conjunta do Tom e Joan Steitz. Encontrei com o Tom Steitz várias vezes em visita a Yale, a ultima há uns 8 anos atrás. Ele dispunha, e dispõe, de um grande laboratório apoiado pelo HHMI (Howard Hughes Medical Institute), que também apóia o laboratório da Joan Steitz, com estrutura administrativa própria e muitos pós-doutorandos. Mantém a mesma simplicidade e o mesmo entusiasmo da época que compartilhei com ele, e me sinto orgulhoso de poder ter tido um convívio muito rico com ele no plano científico e pessoal. Acredito que a trajetória dele sirva como um exemplo para os nossos pós-graduandos: a) curiosidade científica; b) escolha de uma grande universidade para fazer o doutorado; c) escolha do orientador que se adaptava ao seu interesse; d) dedicação a ciência; e e) perseverança na procura de soluções de problemas muito complexos (a estrutura do ribossomo é o exemplo típico). Em resumo, valeu Tom! José M. Riveros Fotografia de Tom Steitz (à direita) e o autor, em janeiro de 1963, na entrada de um dos prédios da Química de Harvard.
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