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ARTIGOS DE OPINIÃO

Responsabilidade social do cientista ou ciência para quem?

Frente ao desbaratamento dos recursos naturais, aos constantes desafios científicos e tecnológicos e à onda avassaladora da globalização, onde crises e oportunidades se revezam continuamente, observa-se que a sociedade em geral e os cidadãos empreendedores, em particular, estão ávidos por conhecimentos.

E onde encontrá-los? Normalmente nos setores de P&D das empresas inovadoras e sobretudo nas Academias, representadas por Universidades e Institutos de Pesquisa.

A idéia de Academia originou-se na Grécia. Inicialmente esse nome foi dado a um jardim de oliveiras, em homenagem a um herói chamado Akademo e onde o filósofo Platão ministrava suas aulas. Mais tarde, nesse local foi erigido um centro de estudos formais e que serviu de modelo para as Universidades conhecidas na atualidade. Portanto, a maneira de gerar, processar e transmitir o conhecimento vem sendo mantida no mundo há mais de 2390 anos, com pouca variação.

É verdade que nas últimas décadas, a denominação Academia vinha sendo relegada ou aplicada unicamente às congregações de 'imortais', onde normalmente se refugiavam os vetustos senhores (agora também, felizmente, senhoras!), mas recentemente, o termo voltou à tona e agora vem sendo usado com muita freqüência.

Pela definição dada acima, conclui-se que pesquisadores e professores são acadêmicos e por causa disso, é indispensável que eles próprios questionem sobre o papel da Academia na sociedade de hoje.

A questão pode ser desmembrada em pergunta mais simples e direta, do tipo: O que a academia tem feito para ajudar os cidadãos, sobretudo os empreendedores?

Gerar conhecimento!, dirão os mais afoitos ou mais afeitos à tarefa de investigar, estudar e pesquisar fenômenos, bichos e coisas.

Nada! Sexo dos anjos!, dirão alguns, de si para si, ou mesmo vociferando na mídia, de modo deselegante, grosseiro.

Saibamos perdoar a ignorância ou impertinência daqueles que pouco sabem ou se interessam de fato pela postura acadêmica e concordemos com a idéia de que a Academia está realmente promovendo a geração do conhecimento.

Pois bem, daí nasce uma questão complementar, que é: para quem se destina o conhecimento? Outras perguntas que vêm no rastro dessa é o "que" e "como" o conhecimento é gerado.

Por ora, deixemos essas de lado, confiando nos postulados e métodos científicos, sem sombra de dúvida apropriados para estudar o mundo material e também na responsabilidade ética e profissional daqueles que os executam.

Fixemos apenas em 'para quem?' A pergunta nos remete diretamente para a real finalidade do conhecimento gerado ou da pesquisa que o gerou, seu objetivo, o fim a que se destina. Ela implica na identificação de um interlocutor, usuário, destinatário, público-alvo.

A situação atual do mundo se prima pela competitividade e por isso o conhecimento passou a ser um recurso precioso, principal fator de barganha, elemento básico da capacidade de produção e consumo, diferencial importante entre cidadãos capazes e incapazes, entre nações desenvolvidas e sub-desenvolvidas.

Essa é a razão básica do compromisso social que o intelectual, sobretudo o pesquisador e docente, tem para com a comunidade em que vive.

Nesse sentido, o conhecimento gerado ou aprendido não pode ficar estanque, guardado a sete chaves na Academia ou destinado unicamente a especialistas de determinados ramos de atividade.

Conhecimento bom é aquele disseminado e que pode ser aproveitado, retrabalhado e transformado pela sociedade. Um dado conhecimento pode gerar vários outros, pois tem poder de potencialização.

É imperativo, portanto, que todo conhecimento deve ser disponibilizado, democratizado, sociabilizado, compartilhado.

Não existe conhecimento socialmente valioso quando esse repousa em gavetas fechadas, circula de modo restrito apenas entre especialistas e menos quando circunscreve-se à mente de alguns privilegiados.

O produtor de conhecimento deve saber cuidar e ter garantias sobre seu direito autoral. Também, deve buscar os meios mais apropriados para divulgar suas idéias ou resultados de suas pesquisas, mas é importante ter sempre em mente o interesse coletivo e o alcance social do conhecimento gerado.

Desvincular a importância de determinado conhecimento das necessidades, demandas ou anseios sociais não passa de niilismo, egocentrismo injustificável, egoísmo sem igual.

Há cientistas e intelectuais de toda ordem e com as mais diversas tendências (é ótimo que seja assim, pois firma e confirma a maravilhosa diversidade da vida), mas um gerador de conhecimento socialmente responsável e competente nunca deve ser:

A - Elitista, isto é, buscar unicamente meios de divulgação sofisticados, apenas como forma de promoção pessoal/profissional.

A escolha de meios de divulgação baseada apenas nos títulos dos periódicos, pode-se constituir num modismo científico, tão condenável como os valores da moda de sapatos e vestidos e que normalmente funciona à base de etiquetas e marcas.

B - Narcisista, isto é, dirigir o conhecimento unicamente para si mesmo ou seu grupo de trabalho, num círculo fechado e vicioso, como se isso fosse um troféu, espelho ou reflexo de sua própria vaidade.

Todo conhecimento, por mais complexo que seja, pode ser levado à sociedade, em linguagem acessível e apropriada. Além disso, demanda por conhecimento nunca acaba e quanto mais se tem, mas há falta.

C - Iconoclasta, isto é, achar que o conhecimento tem um fim em si mesmo, que o método científico é o único válido para busca da verdade ou que a ciência é o único caminho para se descobrir o real valor do homem ou a salvação da humanidade.

A ciência é uma das grandes maravilhas criadas pelo homem para compreensão do mundo á sua volta, mas o ser humano, sobretudo o protagonista da ciência, não pode ter uma atitude idólatra frente a ela.

O cientista é membro nato e tem compromissos sérios com a academia, mas também é parte integrante da sociedade com a qual interage a todo tempo e lugar.

Assim sendo, ele precisa honrar seus compromissos profissionais e dar satisfação a seus pares, mas não pode jamais abrir mão de seu dever de cidadão e de sua enorme responsabilidade social.

Nesse sentido, cada acadêmico deve ter uma preocupação constante em gerar novos conhecimentos, fazendo da academia uma instância social sempre mais rica e respeitada, mas sem descuidar um instante da necessidade básica do ser humano em ter direito ao saber.

Nota do Managing Editor: Artigo disponibilizado pelo Jornal do Comércio, de Manaus (AM). Geraldo Mendes dos Santos é professor e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

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