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ARTIGOS DE OPINIÃO
Sobre os lobbies na universidade Este texto é uma contribuição ao debate sobre a universidade, e não pretende representar mais do que um complemento a uma discussão que se anuncia importante.Um dos maiores obstáculos a se enfrentar quando se tenta mudar as coisas no mundo universitário, obstáculo sobre o qual se falou muito pouco até aqui, são os lobbies que existem na universidade (refiro-me, em primeiro lugar, ao meu setor, que é a filosofia, mas o fenômeno é mais geral). Mesmo se esses lobbies têm ramificações que atingem a grande política, é inútil tentar entendê-los essencialmente a partir de categorias macropolíticas, como se faz usualmente. Apesar das ligações que cada lobby tem com o macrouniverso, o que une os seus membros (aliás, de convicções macropolíticas diversas) não é simpatizar com tal ou qual partido, mas fazer parte do lobby. A meu ver, existem duas formas de lobbies na universidade (e em particular no meio que considero). Um lobby que mereceria o nome de populista (quase populista) ou "progressista", e um outro que eu chamaria de "lobby do pseudo-alto nível". Os dois fazem mal à universidade. Minha impressão é que, se houve épocas em que o primeiro era mais pernicioso, nos últimos anos é, a meu ver, o segundo que representa o perigo maior. O primeiro (não abandonando, sem dúvida, as exigências teóricas, por isso falo em "quase populismo") pretende lutar pelo desenvolvimento das idéias e projetos "progressistas" na universidade, e freqüentemente se apóia no radicalismo da massa estudantil. Porém o universo macropolítico e teórico com o qual ele se articula dá apenas a ideologia por trás da qual estão também os interesses micropolíticos do lobby. O lobby do pseudo-alto nível tem igualmente relações com a macropolítica, em geral com partidos do centro (centro-esquerda, centro-direita ou as duas coisas). Mas, também nesse caso, isso não representa o essencial. Só que, ao contrário do que ocorre com o outro, a sua ideologia - isto é, o seu discurso de "cobertura" - não vem da política, mas tem, diferentemente, uma textura "aufklärer" ("iluminista"): os membros desse lobby se apresentam como defensores da "excelência", do rigor científico, de interesses "desinteressados" - se posso dizer assim - do saber. Os dois lobbies têm certas coisas em comum. Por exemplo. Ambos, explícita ou implicitamente, gostam de ter candidatos únicos nos concursos. Ouvi mesmo da boca de um lobista (da turma do pseudo-alto nível) a seguinte pérola: que, antes dos concursos, o "departamento" - entenda-se, eles mesmos - deve decidir qual o melhor candidato, e convidar ou pressionar os outros a desistir. Observe-se o estilo autocrático, fascinante mesmo, diria, desse tipo de intervenção. Ela é típica dos que se pretendem donos da universidade e guardiães de seu destino. Como observei, importa pouco, aqui, a posição macrossocial. Quem prefere enormidades dessa ordem pode ser cientista, socialista, democrata ou o que for no plano da macropolítica. Isso não faz diferença; no plano macropolítico, que é o decisivo no caso, não hesitaria em dizer que ele é na realidade um autocrata de extrema-direita. Quanto a pensar que o lobby defende de fato a excelência... Candidatos de muito bom nível são vistos com maus olhos simplesmente por serem estranhos ao lobby; conheço gente que, na juventude, quase foi destruída, não por razões de "nível", mas simplesmente porque tinham alergia ao grupo. Esse planeja, aliás, suas jogadas, até a médio e longo prazos. O outro lado, que, no combate aos pseudo-excelentes, acaba muitas vezes por espelhar o estilo desses, não é muito melhor. Nos dois casos, os objetivos legítimos da universidade são postos a serviço de obscuros interesses de poder. O que fazer para mudar as coisas? Algumas idéias: 1) É preciso introduzir uma rotatividade efetiva dos membros das comissões julgadoras dos institutos de auxílio à pesquisa. Quaisquer que sejam os resultados, é inadmissível que uma mesma pessoa exerça durante anos e anos uma mesma função. 2) Precisamos, de uma vez por todas, instituir concursos que, não só de direito, mas também de fato, se abram para uma pluralidade de candidatos. 3) As bancas desses concursos devem ser imparciais, isto é, devem ser bancas das quais amigos e inimigos notórios dos candidatos têm de ser excluídos (ao contrário do que se supõe, isso não é nenhuma "utopia ética"; o projeto é suficientemente realizável, mesmo se não, talvez, a 100%). 4) É preciso fazer com que sejam reconhecidos como normais os elementos aleatórios num concurso. No caso, o aleatório vai junto com a democracia. Quaisquer que sejam os efeitos das circunstâncias (sorteio de pontos, etc.), aceitar o seu livre jogo, que não é puramente arbitrário, é de longe preferível ao hegemonismo dos ícones do progresso social ou dos pretensos guardiães do nível e da produtividade - muitos deles, diga-se de passagem, pouco criativos e de nível nada excepcional -, os quais se arrogam (uns e outros) o direito de decidir a priori quem serve e quem não serve (ou quem serve mais, quem serve menos) à universidade. Nota do Managing Editor: Ruy Fausto é filósofo e professor emérito da Universidade de São Paulo. É autor, entre outras obras, de "Marx - Lógica e Política". Este texto foi primeiramente veiculado pelo jornal Folha de S. Paulo, de 24 de fevereiro de 2004, Caderno A3, rubrica Tendências/Debates. |
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