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ARTIGOS DE OPINIÃO
História e conjeturas da competição industrial. Diz-se, usualmente, que a chamada industrialização por substituição de importações não submetia a empresa à competição. Não se competiria via preços, porque diversas formas de proteção praticamente impediam o ingresso no país de manufaturas importadas e porque os preços de muitos produtos eram diretamente submetidos a controles governamentais. E não se competia por diferenciação de produtos, já que as empresas meramente buscavam replicar no país a produção de artigos anteriormente importados. Um observador atento perceberia, no entanto, que havia, sim, competição, a qual se dava, primordialmente, por meio do esforço para ampliar a produção tão rápido quanto se expandia o mercado doméstico. A partir desse entendimento, a famosa frase de Delfim Neto ("Quem correr vai ficar no mesmo lugar, quem não correr vai desaparecer") resumiria o quadro competitivo da época. Em 1979/80, com o salto dos juros externos e subseqüente explosão da dívida, o país ingressa num longo período de alta inflação e turbulência macroeconômica. Se competição havia, naquele contexto, não era nem por preço nem por diferenciação de produtos. Aliás, quando a inflação se torna alta e notoriamente instável, os preços que não a acompanham provocam a rápida descapitalização das empresas que o praticam - o que as obriga a olhar antes para frente do que para o lado, reduzindo, correspondentemente, a competição via preços. Por outro lado, buscar a diferenciação para reforçar a capacidade de competir, faz pouco ou nenhum sentido, em meio a um quadro em que a própria sobrevivência das empresas está sendo repetidamente colocada em questão, por razões que nada têm a ver, seja com custos, seja com a flexibilidade das fábricas. Isso não significa, porém, que não houvesse competição: competia-se pela sobrevivência, mediante agilidade (na adaptação aos sucessivos choques) e capacidade de prever. Durante a fase de abertura e, sobretudo, em meio à sobrevalorização cambial que tem início em 1994, a produção local e as importações disputam ferozmente espaço no mercado doméstico. Inicialmente, diversos produtos trazidos do exterior ofereciam grandes vantagens no tocante a preços, qualidade e modernidade. Os produtores locais deviam ajustar-se aos novos preços, e atualizar os seus produtos, freqüentemente defasados, por vezes obsoletos. Tinham a seu favor o conhecimento do mercado e facilidades no tocante à distribuição - e, claro, podiam valer-se da importação barateada dos insumos e de equipamentos críticos para a atualização de seus produtos. O rico aqui era o "esvaziamento" das empresas e a desmontagem de cadeias produtivas locais. Exemplifico, com um caso limite: os produtores domésticos de guarda-chuvas, sob pressão competitiva asiática, decidem, primeiramente, trazer as hastes da China; a seguir, passam a comprar a tela da Coréia do Sul; finalmente, importam cabos de plástico. A essa altura, restava apenas decidir entre comprar o produto acabado ou (apenas) montá-lo localmente. Em todos os países da América Latina, com exceção do Brasil, a historinha do guarda-chuva poderia ser tida como uma caricatura do ocorrido, a partir da abertura, com boa parte da indústria de transformação. Nesses casos, a competição -a um custo maior ou menor- redirecionou as economias, para o aproveitamento de produtos naturais ou para atividades industriais de acabamento, altamente empregadoras de mão-de-obra. No Brasil, por contraste, esse tipo de regressão é antes a exceção do que a regra -o que vem sendo constatado por diferentes estudos, que confirmam a preservação dos traços maiores da economia industrial brasileira entre 1990 e 2000. E daqui para a frente? Três fatos estilizados devem, no meu entender, dominar as conjecturas a esse respeito. Os países industrializados estão transferindo em massa a produção manufatureira para a China e outras economias ou plataformas exportadoras. Não parece haver limite para o avanço industrial chinês - além dos impostos para a já dramática escassez de recursos naturais. O Brasil está tendo, recentemente, um grande êxito como exportador de manufaturas -o que significa que já está enfrentando, com relativo êxito, a intensa e incessantemente renovada competição chinesa no exterior. Esses fatos contêm pelo menos uma importante sugestão: a especialização competitiva brasileira, que não se deu por setores (como desejavam os críticos e temiam os inimigos da abertura), deverá ocorrer -e, ao que parece, já está se dando- por produtos. Se assim for, o Brasil estaria inadvertidamente queimando etapas: os países desenvolvidos competem entre si mediante trocas intra-industriais e por meio de produtos diferenciados. A nova política industrial e tecnológica, entendida como uma política de apoio às inovações, poderá ter um papel decisivo na consolidação desse padrão, digamos, superior de especialização. Nota do Managing Editor: Antonio Barros de Castro é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Este texto foi primeiramente veiculado no Jornal Folha de São Paulo, de 28 de julho de 2004, p. B2, do Caderno Dinheiro, Coluna Opinião Econômica. |
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