|
ARTIGOS DE OPINIÃO
Excelência científica e crescimento. Recentemente uma análise intitulada "The Scientific Impact of Nations", publicada por David A. King na revista científica inglesa "Nature" teve ampla repercussão entre nós. O estudo mostrava que o Brasil é o 19º de um grupo de 31 países que concentram mais de 98% dos artigos das publicações mais citadas, ou seja, faz parte da primeira divisão mundial de Ciência. Os demais 162 países com trabalhos científicos publicam menos de 2% do total. O Brasil passou de 0,84% dos artigos publicados em ciência e engenharia, no qüinqüênio 1993-1997, para 1,21%, em 1997-2001, o que representa um crescimento de 45% acima do desempenho mundial. Apesar de algumas deficiências, o índice de citação de um artigo, ou seja, o número de vezes que esse artigo é citado por outros autores no mundo, constitui um critério reconhecido da qualidade do seu conteúdo científico. O índice de citações dos nossos artigos cresceu 39% e, melhor ainda, entre os "top" 1% mais citados crescemos 72%. São dados lisonjeadores para a nossa ciência. Mas nem por isso ganhamos uma medalha, pois vários países em desenvolvimento cresceram ainda mais. Entre esses estão a China (incluindo Hong Kong) e a Coréia do Sul. E por que esse desempenho não correspondeu a um crescimento expressivo do nosso PIB no mesmo período? A resposta é que não é a ciência (a geração de conhecimentos), como muitos pensam, mas sim o domínio da tecnologia industrial (a competência no uso de conhecimentos para gerar inovações que tornem nossa indústria mais competitiva) que faz a economia crescer de modo sustentado e rápido, como o mostram os países orientais. E essa competência em inovação tecnológica não se mede por artigos: ela é internacionalmente medida pelas patentes concedidas no maior mercado, o norte-americano. Se computarmos os dados de registros de patentes no USPTO -o escritório de marcas e patentes dos EUA-, para os mesmos períodos, veremos que o avanço do nosso país foi mínimo, apenas 1%. Enquanto isso, as patentes da China e da Coréia do Sul cresceram 32% e 76% no período, respectivamente, como resultado do foco na geração de inovações e na construção de tecnologias próprias para a sua produção. Esse foco é mais notável na Coréia do Sul, onde o dispêndio em P&D (pesquisa e desenvolvimento) não-acadêmico é hoje cerca de 85% do total, mas já foi até superior a 95%, nos anos 70, quando aquele país iniciou o seu esforço de crescimento. O resultado é que a Coréia do Sul registra além de 30 vezes mais patentes nos EUA do que nós. A grande surpresa, porém, é que, apesar de o esforço desses países estar centrado em inovações nas empresas, o resultado que colhem é ainda melhor em artigos científicos, nos quais a China cresceu mais que nós e a Coréia do Sul, mais que o dobro. Em citações, a China e a Coréia do Sul cresceram, respectivamente, duas e três vezes mais. Mas é nos artigos do grupo "top" 1% que essa vantagem se expressa melhor: a China alcança 125% de crescimento e a Coréia do Sul, 179%, mais de duas vezes e meia o nosso índice. A explicação para esse aparente paradoxo é simples: a geração própria de inovações estimula a ciência, na medida em que as indústrias inovadoras demandam pesquisadores para realizá-las e as universidades os formam através da participação na pesquisa científica. Na Coréia do Sul, quase 70% dos pesquisadores trabalham nas indústrias e em projetos industriais. Mas o resultado mais significativo é que, nesse ambiente, os artigos gerados têm foco nas inovações em desenvolvimento nas indústrias, o que resulta em muito mais objetividade. A conseqüência é uma presença mais expressiva entre os artigos científicos da área e, por isso, mais citações. No Brasil isso também ocorre, pois, embora tenhamos 1,21% dos artigos científicos no cômputo geral, na área agrícola, onde temos a Embrapa investindo em tecnologia, esse percentual sobe para mais de 3%. Ou seja, a melhor maneira de a ciência crescer mais e alcançar excelência, mas atendendo a demandas da sociedade, é fomentar a inovação nas indústrias. Esse processo já se consolidou na Coréia do Sul e está em evolução na China. Entre nós, as políticas industrial, tecnológica e de comércio exterior anunciada pelo governo propõem-se a ter centro na inovação, o que já é um grande passo à frente. Para tanto, porém, precisamos de corajosas ações para pôr o foco na inovação tecnológica na indústria, fazendo a economia crescer mais rapidamente e desenvolvendo mais e melhor a nossa ciência, sob pena de continuarmos apenas contabilizando os nossos artigos, num processo elitizante e estéril para o desenvolvimento econômico e social do país. Nota do Managing Editor: Este texto foi primeiramente veiculado pelo jornal Folha de São Paulo, em 06 de setembro de 2004. Jean-Pierre Férézou, 56, químico, é pesquisador licenciado do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), na França, e consultor do Instituto de P&D de Produtos Farmacêuticos, Fármacos e Agroquímicos (IPD-Farma); Roberto Nicolsky, 66, físico, é professor da UFRJ e diretor-geral da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica). |
© 2001-2020 LQES - lqes@iqm.unicamp.br
sobre o lqes | políticas | link o lqes | divulgação | fale conosco