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ARTIGOS DE OPINIÃO
Acadêmico diz que publicações científicas discriminam brasileiros. Nos bastidores da pesquisa científica de ponta, a concorrência internacional entre pesquisadores pode se tornar uma disputa acirrada. Até mesmo desleal, segundo a experiência do pesquisador e Acadêmico Antonio Carlos de Camargo, diretor do Centro de Toxicologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantã. Há quatro anos ele e sua equipe tentam publicar um estudo mostrando que a proteína "descoberta" por cientistas nos EUA, Japão e na Alemanha em 2001 e batizada de Nudel é, na verdade, a mesma descoberta em seu laboratório em 1973 e chamada de Eopa. O trabalho foi sistematicamente rejeitado, apesar da reconhecida capacidade técnica do CAT e de os pesquisadores estrangeiros terem admito tratar-se da mesma proteína. A pesquisa foi finalmente publicada na última edição da revista PNAS, o periódico científico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos - uma das mais respeitadas do mundo. "A partir de janeiro de 2001 mandamos o estudo para várias revistas e fomos recusados várias vezes, com base nas desculpas mais absurdas", relata Camargo, pedindo que nomes das revistas e dos competidores não fossem revelados, para evitar maiores transtornos. "Estou nessa área há muitos anos e sei que há grupos com muita influência que, obviamente, não tinham nenhum interesse de que isso fosse publicado". A publicação pela PNAS, segundo ele, só foi possível graças à adição de um nome internacional ao trabalho: o da Merck Sharp & Dohme. O laboratório britânico entrou no projeto há dois anos, interessado em estudar a relação da proteína com a esquizofrenia. "Acho que isso influenciou muito", disse Camargo. O que foi publicado agora, segundo ele, é 95% idêntico ao que foi recusado nos últimos anos. Ele acusa as revistas de preconceito. "Não é esperado que pesquisadores brasileiros dêem contribuições científicas fundamentais como essa. Espera-se sempre que estejamos de carona em projetos internacionais, e não o contrário". O trabalho mostra que a Nudel e a Eopa são a mesma proteína e ainda identifica um centro ativo da molécula como possível alvo terapêutico para o tratamento da esquizofrenia - o que atraiu a Merck para o projeto. Dentro dos neurônios, ela interage com outra proteína, e a suspeita dos cientistas é de que certos tipos de esquizofrenia com origem genética se manifestam quando há um bloqueio nessa interação. "Esta descoberta é muito empolgante e abre um novo campo de conhecimento sobre a base molecular da esquizofrenia", disse o pesquisador Nick Brandon, da Merck. A identificação do centro ativo da proteína foi patenteada em 2002. "Se alguém quiser dar um tiro nesse alvo, vai ter de nos pagar royalties", explica Camargo, de 68 anos, que já publicou 116 trabalhos em revistas científicas indexadas. O trabalho original brasileiro da descoberta da Eopa foi publicado na revista BBRC e a seqüência do gene que a codifica foi depositada no banco internacional em 1997. O ato da publicação é indispensável para que um estudo tenha validade científica. Estudos realizados no CAT demonstram ainda que a proteína tem um papel fundamental no desenvolvimento do cérebro humano e que a falta dela no embrião leva à lisencefalia, ou "cérebro liso", doença hereditária que causa retardo mental severo. "Em vez de ter rugas, o cérebro é completamente liso", explica a pesquisadora Mirian Hayashi. "A pessoa tem o mesmo número de neurônios, mas as células não migram para as camadas superiores do cérebro." Aparentemente, esse translado também depende da interação da Eopa com outra proteína. O Estado de S.Paulo, 28 de fevereiro de 2005. |
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