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ARTIGOS DE OPINIÃO
Integridade científica no Brasil. Por ter-se tornado capaz de mover mercados gigantescos e ter influência direta na economia das nações, a ciência, nas últimas décadas, tornou-se mais vulnerável a interesses espúrios e práticas desonestas. A tradicional ética científica, inerente ao próprio aprendizado da boa metodologia científica, tornou-se ineficaz para assegurar à ciência a honestidade que deveria conferir-lhe identidade. Em 1981, a má condução científica tornou-se problema de ordem pública nos EUA, após a comprovação, no ano interior, de pesquisas fraudulentas em quatro grandes centros de pesquisa no país, além de 12 pesquisas isoladas no período de 1974 a 1981. Em 1985, através de atos administrativos, o governo norte-americano determinou a universidades e instituições de pesquisa a revisão administrativa de relatos de fraudes em pesquisa e, em 1986, instruiu o Instituto Nacional de Saúde (National Institutes of Health - NIH) a receber e atender os relatos sobre fraudes. Ao longo dos anos, a construção do controle social da má condução em ciência consolidou-se através, principalmente, da criação do Escritório de Integridade Científica (Office of Research Integrity-ORI) e de Comissões sobre Integridade em Pesquisa. Em recente publicação, de março de 2005, o referido escritório relatou, para o período 1994 a 2003, a ocorrência de 133 casos de má condução científica. Desses, 53% foram por falsificação de dados, 29% por fabricação de resultados, 36% por ações conjuntas de fabricação/falsificação de dados, entre outras desonestidades ocorridas com menores freqüências (ORI Newsletters, vol.12; n. 2, 2005). Essa realidade impõe uma nova visão sobre a responsabilidade na condução de pesquisa nas diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Será ingenuidade admitir que, em um país tão maculado por corrupções, nos mais diversos níveis, tenha-se conseguido o milagre de ver somente os honestos se dedicarem à pesquisa científica. No passado, quando os recursos para a pesquisa eram raros a pesquisa tinha limitada repercussão de prestígio social, assim como pouca repercussão nos meios de comunicação, a má condução científica também deveria ser quase inexistente. Atualmente, todavia, o maior fluxo de recursos para a pesquisa, o prestígio social do cientista, a freqüente exaltação pública de resultados de pesquisa, acrescidos da atenção continuada aos currículos e as pressões por publicação, também podem funcionar como fermentos à desonestidade científica atingindo "pesquisadores" de formação moral não consolidada. Por outro lado, o país já convive com denúncias de grupos de fabricação e venda de teses e de dissertações alimentando publicações e titulações pós-graduadas. Acredito que as instituições governamentais de financiamento também tenham preocupação de, ocasionalmente, estarem fomentando o indesejável em ciência. E sendo a boa ciência o real propósito nacional, formas preventivas - ou, se necessário, corretivas - de lidar com a questão da integridade científica devem fazer parte do sistema. Finalmente, também percebo que a sociedade, que, com o pagamento de seus impostos (que não são poucos), financia a pesquisa pública no Brasil, ainda manifesta credibilidade na produção científica nacional, não obstante amargas experiências na história da honestidade pública no país. Não teria chegado o momento para maiores reflexões e respostas sobre como anda a integridade científica no Brasil? Nota do Managing Editor: este texto foi primeiramente veiculado pelo Jornal da Ciência, da SBPC, Ano XIX, no. 555, p. 10, de 01 de julho de 2005. A autora, Eliane S. Azevedo, é médica, doutora em Genética, professora titular de Bioética, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, pesquisadora 1A do CNPq e professora emérita da Universidade Federal da Bahia (UFBA). |
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