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ARTIGOS DE OPINIÃO

Cana-de-açúcar, um ícone a projetar o Brasil.

"A maior ameaça à humanidade não é a maldade das pessoas más, é a passividade das boas" (Martin Luther King).


Os mecanismos que fazem uma planta transformar a energia do sol em energia química que tanto gera alimentos quanto energia, são conhecidos. A análise individual das plantas nesse quesito mostra verdadeiros craques: plantas que conseguem maior transformação da energia solar. A cana-de-açúcar é, talvez, uma das maiores conversoras de energia, caracterizando-a como uma verdadeira fábrica de energia renovável e limpa.

O balanço de energia dessa planta, na produção de álcool, mostra que uma unidade de energia utilizada para esse fim gera de 8,3 a 10,3 unidades finais. É fantástico e, ao mesmo tempo, ambientalmente favorável: cada metro cúbico de álcool seqüestra 2,6 toneladas equivalentes de carbono, face às substituições da gasolina (pelo álcool) e do óleo combustível (pelo bagaço da cana). Ou mais: cada hectare com cana-de-açúcar produz, em termos líquidos, 60 barris equivalentes de petróleo, ou seja, em 5,5 milhões de hectares colhidos; atualmente no Brasil tem-se 900 milhões de barris equivalentes de petróleo/dia (metade do consumo diário total de petróleo no Brasil!). Ou mais: é o setor que usa os menores índices de herbicidas, pesticidas e fertilizantes, face o uso, respectivamente, da palha, de inimigos naturais, da vinhaça e da "torta" de filtro, entre outros subprodutos. O Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar e de álcool no mundo. Os próximos anos serão decisivos para o êxito da cana-de-açúcar. Como será o mercado mundial dos seus principais produtos (álcool e açúcar) nos próximos anos?

Nos próximos 10 anos, a demanda de açúcar crescerá cerca de 40 milhões de toneladas!

Nos próximos 10 anos, o etanol, que hoje não representa 2% do consumo de combustíveis no mundo, será cerca de 6% (em projeção conservadora); ou, de 42 bilhões de litros produzidos em 2004, saltará para 120 bilhões de litros!

Com relação ao açúcar, o Brasil deverá produzir a maioria desse volume crescente, pela questão "física" e competitiva; quanto ao álcool, como energia renovável, vale comentar.

A humanidade trocou, feliz, no início do século XX, as carroças que poluíram as cidades com as fezes dos cavalos, por carros que vêm aumentando a temperatura do planeta! Descobrimos isso no final do século XX, quando já estávamos absolutamente viciados no petróleo. É claro que a mobilidade que ele nos proporcionou encantou a todos, e não abrimos mão dela! Mas também claro é que a nossa sociedade depende do petróleo como o homem em relação ao sangue que circula em seu corpo.

Mas o fato é que, nessa festa embriagadora do petróleo, os ricos, já bêbados, abriram os portões aos pobres que também se embriagaram. O fato é que nos próximos 25 anos o mundo consumirá, em petróleo, o total que consumiu até hoje. Ou seja, o esgotamento se aproxima rápido. Tanto quanto o petróleo, o gás natural segue a mesma linha.

O pensamento lógico (não neoliberal, ou anárquico, ou de esquerda) é: toda, a humanidade caiu em uma terrível armadilha, assim como Ulisses e o canto das sereias.

Será preciso empreender uma inteligente transição energética das fontes atuais não renováveis para as renováveis.

Voltando à embriaguez, o armazém de vendas do petróleo que não se fechará cedo será o da Arábia Saudita, hoje com 2/3 das reservas da "bebida" não renovável. Assim, o preço vai para onde?

As opções, todas, passam pela avaliação ambiental (urgentíssima) e pela evolução tecnológica das alternativas: a lógica da defesa do meio ambiente não clama por alternativas únicas como o carvão mineral (finito e poluente) ou, na mesma importância, a opção nuclear (elevadíssimos riscos). Passará, sem dúvidas, pela opção renovável, com uma inteligente dose de transição energética juntamente com as fontes atuais não renováveis. Afinal, não se troca todo o sangue de uma vez!

É claro que a comodidade do petróleo não será totalmente abandonada. Afinal, não há como fazer isso. Mas vai requerer a visão integrada do processo. Como? A título de exemplo, o Brasil irá investir numa nova refinaria de petróleo na região nordeste do país. Porque não prepará-la para produzir mais produtos nobres para a petroquímica, deixando que o etanol e o biodiesel façam a substituição de produtos menos nobres como a gasolina e o óleo diesel? Seria um excelente referencial ao mundo, consolidando a imagem do Brasil como líder no campo da agricultura energética.

Nos próximos anos, o Brasil aumentará o seu consumo de etanol em novos 7 bilhões de litros, podendo exportar parcela semelhante ao mundo que, esperamos, acorde de seu "êxtase".

Não há mais o que esperar! Qual o sentido de urgência que temos?

Doce como o mel e combustível para a alma, a cana-de-açúcar terá, certamente, enorme número de produtos que serão produzidos em toda a cadeia equivalente da petroquímica e de derivados, na área de insumos modernos à agricultura, à farmácia e alimentos deliciosos, agregando renda, alimentando o homem e a sua qualidade de vida. Melhor, ainda, se a produção agrícola for desconcentrada.

O padrão Brasil de agricultura energética ganhará qualidade com maior inserção do sistema cooperativista, com maior distribuição da renda e pleno sistema sustentável.

Os tempos passam, os gênios perduram. Vale relembrar T.S. Eliot: "Nunca devemos parar de explorar. Ao fim de todas nossas explorações, voltamos ao começo e conhecemos o lugar pela primeira vez".


Nota do Managing Editor: essa matéria foi primeiramente veiculada pelo jornal Valor Econômico, de 15 de agosto de 2005. Assinam a mesma Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Luiz Carlos Corrêa de Carvalho, presidente da Câmara Setorial do Açúcar e Álcool.

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