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ARTIGOS DE OPINIÃO
Divulgação da Ciência : várias questões em aberto.
Nos últimos anos, são indiscutíveis os avanços feitos no país, no que diz respeito à divulgação da ciência produzida não só no Brasil, como também no exterior, via diferentes meios de comunicação: jornais, revistas, televisão, Internet, centros culturais, entre outros. Já é "palpável", por assim dizer, a presença de um grande segmento, constituído não apenas de profissionais ligados a assuntos relativos à ciência, tecnologia e inovação, mas também de um público, mais e mais crescente, todos buscando apropriar-se - cada um a seu modo e segundo suas necessidades -, das atualidades científicas e seus desdobramentos. Não se trata, como fizemos depreender, de um fenômeno absolutamente novo, créditos devem ser concedidos, logicamente, aos novos meios de comunicação eletrônica, que fizeram com que esse universo se amplificasse de tal maneira, que acabou por trazer novas - e muitas vezes preocupantes -, situações ligadas à validação das notícias, ao rigor e aprofundamento com que os fatos são apresentados, à capacidade de transmissão precisa das idéias e ao entendimento das mesmas. Acrescente-se a isso o fato de que fazer parte do noticiário de Ciência, Tecnologia e Inovação, já começa por constituir-se em importante mecanismo para alavancar carreiras, através da ativação de mecanismos de prestígio pessoal, institucional e social. Atinente à divulgação da ciência e da tecnologia - sobretudo das novas tecnologias -, um dos aspectos que consideramos importante está na capacidade dos divulgadores terem idéia correta das informações que pretendem veicular. Trata-se de condição sine qua non, imprescindível mesmo, para que o fruidor possa entender o objeto da divulgação. ©Acfas - Canadá Não é, logicamente, uma condição tão simples de ser satisfeita, uma vez que as diferentes especialidades científicas e tecnológicas têm "jargões" próprios, na maioria das vezes não do conhecimento dos divulgadores, que precisam correr atrás dos significados, entendê-los, inseri-los em seus contextos para, só depois, passá-los à frente. Sem falar nas traduções apressadas e imprecisas, que acabam muitas vezes beirando ao "ingênuo", para quem atua ou está próximo da área na qual o conhecimento que está sendo divulgado está relacionado. Exemplo comum tem sido a confusão feita com a palavra silicon, comumente traduzida por silicone. Não se trata, certamente, de uma mera questão de grafia, mas de falta de conhecimento de Química básica, aquela que se aprende nos cursos colegiais. Como grande parte da literatura das chamadas news é veiculada em língua inglesa, esse tipo de deslize - grave, aliás -, é freqüente. O problema é que silicon é silício, em português, ou seja, o elemento químico, ao passo que silicone é um polímero, portanto uma molécula. Assim, é comum encontrarmos em artigos de divulgação: "chips à base de silicone", de altíssimo desempenho. Até que não deixaria de ser, dirão muitos, uma descoberta sensacional, digna de prêmio. Acontece que a semelhança, aqui, leva a erro. E dos mais sérios! Esse tipo de ocorrência acontece com vários outros termos, o que até justificaria um estudo de "falsos cognatos", inglês-português. Recentemente, matéria em importante revista semanal referia-se à nanotecnologia. O texto dizia respeito a um composto de nome "óxido de zircone"(?!!). Claro, identidade mal revelada, uma vez que se tratava do bom e velho óxido de zircônio. À parte destes "pequenos erros e problemas", muitas vezes creditados ao copydesk, a falhas de digitação, cochilos, etc., a situação parece que se agudiza, ficando ainda mais crítica quando se passa para a seleção dos interlocutores que deverão falar sobre assuntos ligados às novas tecnologias. Os divulgadores de ciência se esquecem, amiúde, da existência de uma ferramenta fantástica, chamada Currículo Lattes. Trata-se de um repositório em que pode ser encontrada a vida científica de todos os pesquisadores ativos de nosso país. O acesso é dos mais fáceis, basta clicar em www.cnpq.br e seguir as opções apresentadas. Muitas vezes, somos surpreendidos por entrevistas, comentários, reportagens nos quais os personagens centrais têm pouco (ou quase nada) a ver com o assunto, têm pouca relevância, fizeram raras contribuições para aquela área do conhecimento, mas que, todavia, se transformam em arautos (ou são ungidos), verdadeiros porta-vozes daquele saber, por conta da escolha feita. Tal situação gera dois problemas: um é a apresentação de informações de qualidade duvidosa, outro - tão grave quanto o anterior -, a contaminação dos mecanismos saudáveis de prestígio institucional e social baseados no mérito. Algumas vezes, tais situações acabam por influenciar escolhas, definições - e até mesmo posições -, na grande teia dos interesses científicos e tecnológicos. Outro ponto que não passa desapercebido diz respeito aos desdobramentos anunciados para a aplicação das novas tecnologias. Um exemplo emblemático está novamente ligado à nanotecnologia. Na nanotecnologia, graças a um forte apelo mediático, esse universo foi povoado por nanorobôs, nanomáquinas, nano-X, etc., aos quais são atribuídas as mais variadas funções (muitas delas altamente especulativas). Imaginemos esse tema colocado para o grande público, sem qualquer explicação prévia, clara, ponderada e, sobretudo, abalizada. A dificuldade de compreensão transforma tudo numa "grande interrogação" que, no limite, pode até mesmo levar ao medo. O que ele não sabe (porque geralmente nunca se diz) é que coisas que lhe estão muito próximas, que fazem parte do seu cotidiano, as quais, muitas, inclusive consome, são produtos que já se apropriaram desta tecnologia e que, certamente, nada têm a ver com as "criaturas" que muitas vezes ilustram capas de revistas e livros. No sentido de melhorar os diversos pontos aqui levantados, acreditamos ser fundamental uma profunda reflexão sobre os diferentes papéis desenvolvidos pelos atores desse cenário: pesquisadores e divulgadores, fonte e notícia. Academias e sociedades científicas podem vir a exercer importante papel nesse processo, através de acessoria/consultoria aos órgãos direcionados à divulgação científica e tecnológica, o que poderá levar a uma maior consistência no processo de qualificação das informações e na identificação de competências. Trata-se de uma empreitada na qual, acreditamos, é muito importante ter em mente que nunca é demais dar e receber lições de humildade. LQES NEWS, Ano V, Número 96, 01 de fevereiro de 2006. |
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