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Petróleo : o fim de um mundo.


Com um barril de petróleo cujo preço quintuplicou em 5 anos e que se aproxima inexoravelmente do limiar simbólico do 1 dólar/litro (159 dólares o barril), entramos bem mais rapidamente que o previsto em uma nova era econômica cujo grande desafio se tornou a substituição da energia pela informação em todos os níveis de produção e de organização de nossas sociedades.

Estima-se que restam aproximadamente 160 bilhões de toneladas de petróleo convencional a serem extraídos. Supondo-se que o consumo mundial continue em seu nível atual - 4 bilhões de toneladas por ano - restam-nos apenas mais 40 anos de consumo. Ora, segundo a AIE (Agência Internacional de Energia), o consumo mundial de petróleo poderá passar de 4, a 6 bilhões de toneladas, daqui a 2030, devido principalmente ao desenvolvimento econômico acelerado da Ásia.

Certamente, essas estimativas não levam em conta reservas sob a forma de petróleo não-convencional, xistos betuminosos, petróleo profundo, nem progressos que podem intervir nas taxas de recuperação das jazidas, mas essas variáveis não mudam fundamentalmente os dados e não poderão senão nos fazer ganhar uma ou duas décadas suplementares. A exploração desse petróleo não-convencional tem, além disso, um custo energético e ambiental consideráveis.

Globalmente o consumo energético da humanidade se eleva a pouco mais de 10 gigatoneladas de "equivalente de petróleo" por ano e o petróleo representa, portanto, ele só, perto de 40% desse consumo mundial.

Podemos, é claro, apostar, como fazem os Estados Unidos, na inovação tecnológica, para acelerar a "virada" para o "após petróleo", mas sem remeter exclusivamente à tecnologia (quer se trate do carvão "limpo", do seqüestro de carbono, de hidrogênio ou de energias renováveis), sem questionar fundamentalmente nossos modos de vida, trata-se, acredito, de ilusão perigosa. Devemos, de fato, mudar radicalmente de perspectiva de abordagem e admitir que o verdadeiro desafio consiste inicialmente em reorganizar nossas economias e nossas sociedades, de modo a reduzir na fonte nossas necessidades de energia e a instaurar em princípio generalizado a pesquisa da sobriedade energética e de um crescimento econômico ecocompatível.

Sabendo que um em cada dois indivíduos vive nas cidades, isso supõe particularmente uma reorientação profunda de nossas concepções e políticas de urbanismo, de ocupação territorial e de transportes, a fim de conter o desdobramento urbano e repensar nossas cidades de modo a otimizar sua eficiência energética e seus aspectos ecológicos, concebendo unidades urbanas que se integrarão, em vez de dissociá-las, em pólos de trabalho, de moradia, de lazer.

Essa questão do urbanismo e dos transportes é capital em matéria energética e ambiental. Um estudo do MIT (do inglês, Massachusetts Institute of Technology), por exemplo, mostrou que o consumo energético médio de um habitante de Atlanta, cidade americana com urbanismo disperso, era 7 vezes maior que aquele de um habitante de Barcelona, cidade mediterrânea de denso urbanismo. Mesmo que isso não seja fácil em um país onde muitas famílias sonham com viver em uma casa individual, nossos responsáveis políticos devem ter coragem de abrir esse debate sobre a densificação urbana. Em trinta anos, a distância média percorrida de carro para se locomover de sua casa a seu trabalho foi multiplicada por três e devemos, absolutamente, inverter essa tendência, que não é sustentável, nem econômica nem ecologicamente.

Igualmente, devemos ter coragem de abrir um verdadeiro debate democrático sobre a questão da restrição do uso do automóvel nos centros da cidade e da instauração de passagens urbanas moduláveis em função do número de passageiros, da hora e do tipo de veículo. Pode-se imaginar ir além acordando reduções de impostos ou de taxas às empresas ou particulares, particularmente sóbrios em matéria energética. É preciso igualmente, graças a um marco legislativo e fiscal adaptado, favorecer o progresso do "teletrabalho", a fim de que ele represente, daqui a 10 anos, 20% do tempo consagrado às atividades de serviços públicos e privados.

Recentes estudos científicos mostram que, considerando-se os prazos ligados à inércia térmica dos oceanos, se queremos estabilizar o clima, é necessário não somente reduzir pela metade, em nível mundial, nossas emissões de gás de efeito estufa, a uma produção energética totalmente "descarbonizada" daqui ao fim deste século.

Para atingir tais objetivos, o desenvolvimento maciço, mesmo de várias ordens de grandeza, da produção de energia renovável (incluindo a nuclear), embora absolutamente necessária, não é senão uma resposta parcial e insuficiente, sendo que devemos primeiramente reorganizar em profundidade nossas economias e nossas sociedades ao redor do conceito de sobriedade energética e de produtividade informacional e cognitiva, reduzindo a fonte de nossas necessidades globais de energia e melhorando de maneira considerável a eficiência e o rendimento energético no conjunto das atividades humanas.

Nossa civilização deverá acostumar-se a produzir e a transformar o máximo de informação em conhecimento e em riquezas, utilizando o mínimo de energia e procurando sistematicamente o valor agregado ecológico que deverá simultaneamente preservar a biodiversidade, gravemente ameaçada, valorizar e utilizar os materiais e produtos naturais e integrar a reciclagem e a ecocompatibilidade do conjunto das produções industriais e humanas desde sua concepção.

Mas, nesse estado de reflexão, é preciso evitar todo o mal-entendido ideológico ou filosófico: um tal objetivo não significa, de modo algum, a submissão ao mito perigoso do retorno à natureza idealizada, poderosa e virgem que jamais existiu. Desde o neolítico, o homem não pára de transformar profundamente a natureza e seu ambiente para sobreviver, depois melhorar suas condições de vida. Aqueles que se fecham nas novas formas de integrismo e de conservantismo e questionam a necessidade de inovação e de progresso científico, especialmente nas ciências da vida, se enganam e querem responder de modo simplista e dogmático a desafios planetários complexos e globais.

Para ter êxito essa mutação de civilização, a espécie humana deve, mais do que nunca, mobilizar todas as suas capacidades de inovação, não somente nas áreas científicas e técnicas, mas também nas áreas sociais, econômicas e democráticas, para conceber novos modos e instrumentos de governança, de regulação e de controle sociopolíticos. Cabe-nos, sem nos fecharmos nos quadros de pensamentos redutores, demonstrar audácia criadora e estar à altura moral e intelectual dos imensos desafios que nosso planeta deve revelar.

Enerzine, 02 de juin, 2008 (Tradução - MIA).


Nota do Managing Editor: René Tregouet é Senador Honorário da República Francesa, Presidente da Altivis, Fundador do Grupo de Prospectiva do Senado e Redator Chefe do RT Flash e Alti News.


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