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DIVULGAÇÃO

H2O@C60 : molécula de água é "aprisionada" em uma gaiola de carbono.


Em artigo recentemente publicado na revista Science, um grupo de químicos japoneses anunciou ter conseguido "aprisionar" uma única molécula de água em uma gaiola de carbono chamada fulereno (C60). Hoje a molécula de água é bem conhecida e sabemos que grande parte de suas propriedades vem do fato de sua capacidade de realizar ligações de hidrogênio fracas com outras moléculas. Este método inovador de encapsulamento de uma molécula única permitirá o estudo de apenas uma molécula de água, isolada de toda ligação hidrogênio.


O fulereno C60

O fulereno C60 é uma molécula de forma esférica, composta de 60 átomos de carbono e de 3,7 Angströms de diâmetro, seja: mais de 400 vezes menor que o vírus do HIV. Mais precisamente: no fulereno os átomos de carbono formam sucessivamente hexágonos e pentágonos que, ligados, formam uma molécula similar a uma bola de futebol.



Moléculas de Fulereno C60

Créditos: Lifeboat


Ainda que moléculas de água já tenham sido "aprisionadas" em espaços de tamanho nanométrico, especialmente em nanotubos de carbono, vários métodos experimentais similares (arco elétrico, altas pressões, altas temperaturas...) permitem encapsular moléculas dentro do fulereno.

Observe-se que o fulereno é absolutamente insolúvel em água e que o interior do mesmo é hidrofóbico, seja: ele repele a água. Uma molécula de água assim encapsulada seria muito estável e isolada de outras moléculas de água, mas, para conseguir isto, seria necessário vencer uma incompatibilidade evidente entre o fulereno e a água.


H2O@C60

Em um artigo da revista Science, dois químicos japoneses da Universidade de Kyoto (Japão), K. Kurotobi e Y. Murata, demonstraram o encapsulamento de uma molécula de água em uma molécula de fulereno, graças a um método chamado de "abordagem cirúrgica molecular". Trata-se de uma metodologia que consiste em criar uma abertura em uma gaiola de fulereno vazia, injetar uma ou moléculas de tamanho pequeno (H2), depois fechá-la deixando-a intacta. No caso da molécula de água (H2O), de tamanho relativamente elevado (27,5 Angströms, ou seja, ligeiramente menor que o fulereno), a dificuldade principal é criar nos fulerenos uma abertura suficientemente grande para deixar passar a molécula de água - o que já fora demonstrado - depois conseguir fechar a dita abertura - o que nunca foi demonstrado e parece complexo.



Móleculas de água em interação.

Créditos: Valley.


Kurotobi e Murata introduziram uma abertura na molécula de fulereno, graças a reações químicas sucessivas permitindo quebrar as ligações uma após outra, sem retirar os átomos de carbono, o que permite "desfazer" a molécula e controlar o crescimento da abertura. Este método já fora utilizado para introduzir moléculas de pequeno tamanho, tais como o hidrogênio (H2). Aqui, certas ligações "quebradas" se ligam com átomos de oxigênio, o que estabiliza o fulereno aberto e permite obter um buraco maior. A presença de moléculas de oxigênio na extremidade do buraco favorece as ligações de hidrogênio e cria um ambiente susceptível de atrair uma molécula de água com a ajuda de condições elevadas de temperatura e de pressão. Reações químicas permitem então fechar a gaiola de carbono ao redor da molécula de água.

O método de espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) permite então distinguir se o fulereno contém uma molécula de água após ter sido fechado. Os resultados mostram uma taxa de 8% de sucesso no encapsulamento de uma molécula nas condições normais e de 40% sob alta pressão (equivalente a 8000 atmosferas terrestres).

Medidas de monocristais de H2O@C60 (água encapsulada em um fulereno) por difração de raios X confirmam a existência da molécula de água encapsulada. Além disso, foi mostrado que a molécula de oxigênio da H2O se encontra no centro da gaiola de fulereno e ainda que a molécula de água é livre para se movimentar dentro do fulereno. Isto, entretanto, já havia sido observado para outras espécies encapsuladas (Kr e H2), ao passo que outras se encontram descentralizadas, tais como o Li. A gaiola de carbono C60, não é, em si mesmo, afetada pela molécula de água. Em compensação, a presença da molécula de água parece favorecer a separação dos H2O@C60 dos fulerenos vazios, um passo que, contudo, era complicado no caso de outras espécies encapsuladas. Esta facilidade em separá-las se explica provavelmente pelo fato de que o fulereno (não polarizado dado que muito simétrico) se vê polarizado por este tratamento, de modo similar à molécula de água que, doravante, ele contém.


Um método inovador para estudar moléculas isoladas

Graças a este novo método, é possível isolar uma única molécula de uma espécie e estudar suas propriedades intrínsecas. No caso da água, as ligações com os átomos de hidrogênio do meio modificam as propriedades da molécula, quer em estado líquido ou gasoso. Todavia, foi demonstrado que a gaiola de fulereno age às vezes como um escudo entravando o estudo de certas propriedades da molécula aprisionada.

Concluindo, esta abordagem faz parte dos esforços da química supramolecular, um ramo da química que estuda os sistemas complexos formados de "tijolos" fracamente ligados, para criar sistemas através dos quais será possível estudar as ligações fundamentais de sistemas químicos. Outras moléculas, que não apenas a da água, poderão seguramente ser assim isoladas e estudadas no interior do fulereno. Consequentemente, esta descoberta permitirá medidas inéditas e muito precisas de moléculas isoladas de toda a interação com o ambiente. Encapsulamento de nanopartículas, transporte in vivo de medicamentos, filtragem de partículas, a adsorção... Vemos assim que o encapsulamento é um método que revolucionou e que ainda revolucionará a ciência.

MyScienceWork (Tradução - MIA).


Nota do Scientific Editor: o trabalho que deu origem a este artigo de divulgação, de título: "A Single Molecule of Water Encapsulated in Fullerene C60", de autoria de Kei Kurotobi e Yasujiro Murata, foi publicado na revista Science, volume 333, número 6042, págs. 613-616, 2011, DOI: 10.1126/science.1206376.


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