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Nanomedicina : revolução no mundo da saúde.


Eles são furtivos, com capacidade de procurar alvos, infinitamente pequenos. Os biomísseis, matadores de células doentes, também chamados nanovetores, vão mexer com as terapias atuais contra o câncer e as doenças infecciosas. É o que explica Fabien Gruhier.

Biomísseis, nanodetetores, nanobisturis, nanomedicamentos, e uma infinidade de outras palavras com "nano"...: não só os dicionários franceses, mas também aqueles das demais línguas vão precisar, com toda a urgência, conseguir lugar em suas colunas para "alojar" tudo isso! A área do infinitamente pequeno - a possibilidade de criar deliberadamente objetos sofisticados, invisíveis a olho nu, do tamanho de alguns átomos - abre passagem para uma incrível revolução médico-terapêutica, que precisa ser bem descrita e com palavras precisas. Medicamentos miraculosamente eficazes em baixíssimas doses. Chips eletrônicos capazes de detectar instantaneamente, pelo simples contato com uma gota de sangue microscópica, todos os parâmetros biológicos de um paciente. Sondas infinitesimais que - integrando alguns átomos de elemento metálico - conseguirão, sozinhas, ir se alojar no "coração" da mais diminuta célula tumoral, que explodirão seletivamente após aquecimento por um campo eletromagnético ou de ultra-som externo. Essas não são senão algumas dessas promessas surgidas nos últimos anos nos laboratórios de pesquisa, e que vão desembocar com toda velocidade na prática médica, portanto no nosso cotidiano.

"Isso irá mais rápido, ainda mais porque não existe qualquer obstáculo jurídico, diz o professor Patrick Couvreur (Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e da Universidade de Paris XI), ambos da França: será suficiente respeitar regras bem conhecidas, aquelas já em vigor para medicamentos comuns".

Esses nanomedicamentos e outros nanoinstrumentos tiram suas fascinantes propriedades de sua extrema miniaturização: aproximadamente 70 vezes menores que um glóbulo vermelho, eles podem se introduzir em todo o organismo, deslizar com facilidade no mais estreito dos capilares. Contudo, (até o momento?), eles não são objeto de qualquer legislação específica. Não é surpreendente, então, que os laboratórios estejam avidamente empenhados, ainda mais que os retornos financeiros esperados estão à altura dos espetaculares resultados já obtidos - pelo menos com animais de laboratório. Ora, aqui, a pesquisa francesa se mostra digna do que se espera dela, com 170 equipes mobilizadas (reagrupando por volta de 1000 pesquisadores) e com muitos resultados expressivos. Exemplo: uma substância clássica (a gemcitabina), que constitui o medicamento de referência contra o câncer do pâncreas, não faz senão retardar, no homem, a morte. Contudo, trabalhos recentes mostram que, administrada em ratos sob a forma de nanopartículas seletivas, cura espetacularmente o animal, e isso com doses bem menores.





Estrutura Molecular da Gemcitabina.


O princípio desses medicamentos, de tipo absolutamente novo (os biomísseis ou nanovetores), consiste em aprisionar um pequeno número de moléculas ativas em uma cápsula "decorada" - é o termo que utilizam os especialistas - com elementos químicos que vão convencer o organismo a conduzi-los exclusivamente para onde há necessidade. Como "pacotes" bem endereçados, os pequenos volumes - bem inferiores ao milésimo de milímetro - vão, por conseguinte, se dirigir para seu alvo, e somente para ele - ao invés de invadir o conjunto do corpo do paciente, e eventualmente o envenenar, o infectar em função dos efeitos secundários. "O modo como se administra um medicamento é também, às vezes, mais importante que aquilo que se administra", resume Patrick Couvreur. Assim, depreende-se, todo o problema se resume "na escrita do endereço", de sorte que ele possa ser "lido" e compreendido após a ingestão oral ou intravenosa.

Quando se deseja expedir o míssil para o fígado, é bastante fácil: reconhecido como estranho pelo sistema imunitário, é para aí que o intruso vai ser automaticamente dirigido, sob a eficiente escolta de células macrófagas (células do sistema imunológico que têm a função de remover corpos estranhos e detritos), para então ser exterminado. Então, se se trata de tratar um tumor hepático, isso funciona: em suma, é preciso não indicar nenhum endereço no pacote, que será decomposto no fígado - onde ele liberará a substância adequada. Tal é o princípio de base dos nanovetores ditos de primeira geração, que serão também os primeiros a aparecer nas... nanofarmácias. Quando se quer penetrar em outro lugar que não o fígado, então as coisas se complicam, porque é preciso enganar o sistema imunitário com "decorações" que o dissuadirão de eliminar os biomísseis.

Tais são os nanovetores de segunda geração, ditos "furtivos" (como aviões não detectados pelos radares), eles também em curso de desenvolvimento: graças a tais camuflagens à base de polímeros, nanopartículas desse tipo são estudadas em animais, sempre para a eliminação de tumores, mas igualmente para tratar de doenças degenerativas do sistema nervoso - porque elas conseguem transpor a barreira encefálica. Pode-se também aproveitar uma particularidade das células que se quer atingir. É o caso, por exemplo, do câncer do ovário, cuja periferia das células tumorais é muito rica em receptores do ácido fólico ou vitamina B9. Então, basta disfarçar as moléculas antitumorais com uma máscara de B9: por esse estratagema carnavalesco, essas moléculas serão quase todas capturadas, depois absorvidas pelo tumor "enganado" - porque acreditando não ingurgitar senão o ácido fólico do qual ele tem grande necessidade para crescer, faz entrar os "assassinos". Contudo, o nanonirvana absoluto, é o biomíssil de terceira geração, aquele "com capacidade de procurar alvos", que, não contente de escapar às células guardiãs da imunidade, saberá se dirigir para seu único objetivo programado - e destruí-lo. Isso graças a uma "vestimenta" química de peptídeos, anticorpos, proteínas, etc., que lhe permite conhecer certeiramente sua vítima - uma célula doente, tumoral ou infectada - e destruí-la. É preciso que o míssil seja especificamente concebido para esse tipo de células, como uma chave para uma fechadura. Aqui, não se está senão nos balbucios, tratar-se-á sempre de um trabalho complexo, caso por caso. Todavia os pesquisadores estão otimistas e o Professor Couvreur prevê até "a vetorização de antibióticos, que permitirá contornar os fenômenos de resistência".





Estrutura Molecular da Vitamina B9.


Assim, a criação de vírus artificiais que, portadores de um gene em perfeito estado, e "sabendo" exatamente aonde ir depositá-lo, poderiam "trazer à tona" certas doenças genéticas. Esperando a concretização de semelhantes proezas, a técnica dos nanovetores - tal como já se domina em laboratório -, irá dar uma segunda chance a numerosas moléculas medicamentosas, de uma eficácia reconhecida, mas abandonadas por conta de seus efeitos secundários, tal como a sua toxicidade radical para todo o organismo. Ora, visto que o modo de administração "nano" permite se contentar com doses imperceptíveis, exclusivamente destinadas a um número restrito de células-alvo, o problema freqüentemente das seqüelas indesejáveis e da toxicidade geral desaparece. "Moléculas, eficazes mas abandonadas, às vezes após longos anos, existem verdadeiramente muitas", observa um especialista. Interesse suplementar, freqüentemente se relaciona com moléculas para as quais a patente caiu em desuso. Elas passam para o domínio público. Pode-se, portanto, tirá-las do catálogo - em suma, apanhá-las nas lixeiras dos laboratórios farmacêuticos - sem ter que pagar o menor direito. Será suficiente transfigurá-las pela "nanomagia", para estar quase certo de realizar megabenefícios. Nos tempos atuais, muito start-up é empregado.

Outra grande porta da nanorevolução biomédica: os "bio-labs", ou laboratórios sobre chips, ou ainda chips em células. Graças ao casamento de microreceptores biológicos com componentes eletrônicos, todos minúsculos também, obtêm-se resultados muito melhores que o equivalente de um enorme laboratório de análises: esses dispositivos estão aptos a detectar de um único golpe, instantaneamente, e em quantidades infinitesimais, inúmeros marcadores biológicos. "Chega-se mesmo a marcar (determinar de forma exata) a posição de uma única molécula", constata Christophe Vieu, admirando-se ele mesmo da sensibilidade desses bio-labs, que ele contribuiu para desenvolver no Instituto Nacional de Ciências Aplicadas (INSA), de Toulouse, França. Tal dispositivo já é comercializado nos Estados Unidos pelos Laboratórios Roche, "permitindo aos médicos se fundamentarem sobre a informação genética recolhida de cada paciente para selecionar os medicamentos e personalizar as doses". Vários milhares de substâncias diferentes vão poder ser caracterizadas, permitindo assim uma detecção ultraprecoce do menor início de câncer. Mas, adverte Christophe Vieu, "comparando as análises de muitos pacientes, vai-se discernir marcadores biológicos significantes e obter diagnósticos preditivos."O que coloca um sério problema à sociedade": sobre a base desses testes, rápidos e baratos, que indicam a predisposição para tal ou tal doença, poderão eles desqualificar uma pessoa para um emprego ou um empréstimo bancário. Ou obrigá-lo a se tratar antes de estar doente...? Esta é uma das graves questões que se colocam, face ao desenvolvimento fulgurante das nanotecnologias.





"Microarrays" para expressão gênica.

Créditos: BF-BIOlabs


Ao contrário, todos deveriam plebiscitar, sem reserva, os nanobisturis, esses instrumentos infinitesimais que, soltos em grupo no organismo se dirigirão infalivelmente para as células indesejáveis para, a seguir, queimá-las sob a excitação de uma irradiação exterior. A idéia é utilizar sondas munidas de um núcleo metálico e, em seguida, aplicar sobre a zona em questão um feixe laser infravermelho, raios X ou ultra-som. Ao aquecer o núcleo metálico, ocorre uma nanoqueimadura bem localizada, indolor para o paciente, mas fatal para as células indesejáveis, assim incineradas. Trata-se de técnica cuja eficácia já foi demonstrada em tumores cancerígenos de ratos, por uma equipe americana. O mais precioso dos metais (o ouro) assim como o mais comum (o ferro) são os principais candidatos para a constituição de núcleos excitáveis. Sobre esse ponto, insiste Stéphane Roux (Universidade Claude Bernard, Lyon, França): Nos dois casos, na ausência de irradiação externa, "as nanopartículas são reconhecidas por sua inocuidade". O que prenuncia sua entrada rápida, sem entraves jurídicos, no arsenal terapêutico. O diagnóstico por imagiamento médico, ele também, e nós junto, temos tudo a ganhar com essa nano... ização generalizada. "Vamos passar, de um salto, da idade da vela à da luz elétrica", prognostica Máxime Dahan, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França.

Os nanocristais, ou QD (Quantum dots), se mostram especialmente promissores - e hoje são objetos de várias centenas de patentes: eles conferem uma fluorescência específica, muito pontual, a cada uma das células de tecidos ou órgãos que se deseja observar, isto em função de uma propriedade específica. Em Paris, no Instituto Curie, conseguiu-se visualizar, no interior de uma única célula, os deslocamentos de uma única proteína, e não se hesita em falar de "telerealidade" nas células...





Fluorescência do quantum dot no núcleo de uma célula (laranja) e fibras de microtubos (verde).

Créditos: Wu/Quantum Dot Corp


Nosso corpo vai tornar-se transparente a todas as investigações mais indiscretas. Será submetido às terapêuticas mais avançadas, disparadas sob medida para cada uma de nossas células por mísseis com faro infalível, "capazes de buscar alvos". Quanto a nossos dossiês médicos, portadores de nossas particularidades genéticas mais íntimas - e informatizadas, logicamente -, ler-se-á, como num livro aberto, sobre cada uma das inúmeras doenças virtuais que nos espreitam.

Na comunidade científica francesa, o Professor Patrick Couvreur é um "case". Belga de origem, optou pela França e pelo CNRS em 1984, graças à acolhida entusiasta que recebeu seu conceito - então, originalíssimo -, de vetorização de medicamentos sob forma de nanopartículas. Hoje, na Universidade de Paris Sul, dirige uma grande unidade especializada, única no mundo por sua interdisciplinaridade. Ele é também o fundador da star-up Bioalliance, que emprega 60 pessoas e que cujas ações fazem parte da Bolsa de Paris.

Le Nouvel Observateur, 22 février, 2007 (Tradução - MIA/OLA).


Nota do Managing Editor: este texto é de Fabien Gruhier, publicado no site NovelObs (http://hebdo.nouvelobs.com). As ilustrações, obtidas em www.google.br, não fazem parte da matéria original.

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