Laboratório de Química do Estado Sólido
 LQES NEWS  portfólio  em pauta | pontos de vista | vivência lqes | lqes cultural | lqes responde 
 o laboratório | projetos e pesquisa | bibliotecas lqes | publicações e teses | serviços técno-científicos | alunos e alumni 

LQES
pontos de vista
artigos de revisão

artigos de opinião

editoriais

entrevistas

divulgação geral

divulgação LQES

 
EDITORIAIS

Patrimônio Dilapidado

"Dilapidar" é uma palavra estranha. Significa "destruir", "arruinar", "demolir". Nela, o etimologista vai identificar a raiz latina "lapid" (pedra). Para chegar da idéia de pedra à de destruição, não é necessária muita imaginação. Uma boa forma de destruir coisas é atirando-lhes pedras. E é exatamente isto que significa o verbo latino "dilapido", que deu nosso "dilapidar".

Essas considerações etimológicas se colocam a propósito da notícia de que um fóssil brasileiro, um raro vegetal petrificado de 130 milhões de anos, permitiu um importante avanço na história evolutiva das plantas. Só que a descoberta não é obra de brasileiros, mas, sim, de suecos e alemães, uma vez que o fóssil foi contrabandeado para fora do país. O patrimônio paleontológico brasileiro - os restos petrificados de animais e vegetais que um dia compuseram nossa fauna e flora - está sendo literalmente dilapidado.

O fóssil da descoberta, agora identificado como uma nova espécie, a Cratonia cotyledon, foi coletado na chapada do Araripe, no Ceará. Essa região, na divisa entre Ceará, Pernambuco e Piauí, reúne alguns dos mais fabulosos tesouros fossilizados do país. É também o centro de contrabando de relíquias pré-históricas. Museus europeus e japoneses mantêm peças retiradas ilegalmente da chapada. Elas normalmente são encontradas em pedreiras por moradores da região que as vendem por valores irrisórios - como R$ 1 ou uma cerveja - a atravessadores.

Seria tentador acusar os grandes museus estrangeiros de receptação de objeto roubado, mas, pela legislação de países da Europa, os espécimes foram obtidos regularmente. Lá não é ilegal particulares encontrarem e venderem fósseis - exceto quando extraídos de sítios previamente selecionados. A diferença é que num país como a Alemanha você não escava o esqueleto do homem de Neanderthal e sai com ele debaixo do braço. No Brasil pode-se topar com fósseis de centenas de milhões de anos e encontrar um contrabandista disposto a arrematá-lo por uma ninharia. É um problema que teremos de resolver se quisermos preservar nosso patrimônio paleontológico.

A fiscalização de fósseis está a cargo do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), subordinado ao Ministério das Minas e Energia que mantém dois geólogos para zelar pelos 9.000 km2 da chapada do Araripe. Como a preocupação é com o valor científico dos achados, o ministério mais adequado seria o da Ciência e Tecnologia. É verdade, porém, que, se houvesse uma fiscalização efetiva, a questão de quem a exerce seria um problema menor.

Infelizmente, o menosprezo para com o patrimônio não está apenas na área da paleontologia. Na esfera cultural, obras do maior escultor brasileiro, o Aleijadinho, se esfacelam ao sabor das intempéries. Cidades históricas estão se deteriorando. Até os tesouros naturais sofrem com o florescimento de um turismo muitas vezes predatório.

Nota do Managing Editor: O editorial em questão foi publicado no jornal Folha de São Paulo, de 22 de junho de 2003.

 © 2001-2020 LQES - lqes@iqm.unicamp.br sobre o lqes | políticas | link o lqes | divulgação | fale conosco