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ENTREVISTAS
"Alguns chegam a colocar que a Nanotecnologia tem a mesma importância da revolução industrial". Oswaldo Luiz Alves - Nanotecnologia é um termo de significação muito abrangente. Sobretudo porque a nanotecnologia é uma área do conhecimento que toca em várias outras áreas. Quando falamos em nanotecnologia, estamos falando em materiais, em fármacos, em genômica, em negócios, etc. Não há uma definição que seja absoluta. O que existe é uma aproximação que normalmente é utilizada para caracterizar a atividade: é o estudo dos sistemas, com dimensões menores do que 100 nanômetros (lembrando que o nanômetro é a 0,000000001 parte de um metro) e que apresentam propriedades inovadoras em função do tamanho". Essa é uma definição. Só passa a ser nanotecnologia quando ocorrem propriedades que dependem desta escala de tamanho. A nanotecnologia vem com um tipo de conhecimento que vai trazer modificações muito importantes na vida das pessoas. Alguns chegam a colocar que a nanotecnologia tem a mesma importância que teve a revolução industrial. FAPESB - Como a nanotecnologia pode influenciar no cotidiano? Oswaldo Luiz Alves - Já que esse conhecimento influencia todas as outras áreas, como coloquei na primeira resposta, é claro que vamos começar a ter um número grande de realizações que vão afetar diretamente a vida das pessoas. Alguns exemplos: estamos na Bahia, um sol muito forte. Talvez poucas pessoas saibam, mas os cremes usados para a proteção solar já têm nanotecnologia. As partículas responsáveis pela ação de filtragem de alguns comprimentos de onda da radiação solar são nanotecnologia. Outro exemplo: hoje já se começa a ouvir falar de tecidos que se auto-limpam. São tecidos que possuem partículas onde as gorduras ficam impregnadas e se decompõem. Mais um exemplo: um impacto grande vai ser na área de fármacos, sobretudo na forma de ministrá-los, aquilo que em inglês se chama de "drug release", ou seja, o envio da substância ativa para o lugar correto onde ela deve agir. Um exemplo prosaico é um modelo de automóvel da Mercedes Benz que será lançado em 2005. Esse carro vai usar uma pintura que não risca e não suja, produzida com a apropriação de conhecimentos da nanotecnologia. FAPESB - Houve uma discussão recentemente na mídia sobre se o Brasil tem condição de realizar pesquisa nesta área, ou trata-se de uma pesquisa cara que só pode ser feita pelos países ricos. O que o senhor acha sobre isso? Oswaldo Luiz Alves - O Brasil tem todas as condições de pesquisar a nanotecnologia. Estamos terminando um levantamento importante de prospecção dessa área no país. Esse levantamento está sendo feito para o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e os dados mostram que nós já temos uma comunidade importante, já temos uma parte da infra-estrutura, já temos pesquisadores trabalhando na área, já temos até os primeiros produtos de nanotecnologia. Ou seja: já temos as condições iniciais para desenvolvermos um programa importante e consistente de nanotecnologia para o país. É claro que a área pressupõe investimentos elevados. Nota-se na esfera governamental federal a percepção de que se trata de uma questão estratégica: ela pode vir a mudar, em pouco tempo, o modo de produção de vários produtos. Isto representaria uma quebra de paradigma. Dessa forma, o setor industrial está olhando a nanotecnologia como possibilidade de novos negócios. Recentemente participamos de uma reunião, em São Paulo, na FIESP, na qual ficou o sentimento que os industriais paulistas têm um forte interesse que essa área seja desenvolvida dentro da perspectiva de agregar esses novos conhecimento aos seus produtos.
FAPESB - O senhor falou que o Brasil já está desenvolvendo os primeiros produtos em nanotecnologia. Quais são eles? Oswaldo Luiz Alves - Todos os produtos acabam passando pela questão do patenteamento. Temos várias idéias patenteadas que poderão ser transferidas para o setor produtivo. O produto não é criado e produzido imediatamente. Há toda uma legislação de patentes feita para proteger o conhecimento alcançado nas pesquisas dos diferentes laboratórios. Posso citar alguns: temos detectores de radiação ultravioleta, desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Temos uma espécie de "língua eletrônica", que é um sistema que permite detectar e fazer, por exemplo, seleção de café, de alimentos, etc., desenvolvida na Embrapa. Certamente vamos ter bons desenvolvimentos na área de embalagens especiais que vão permitir guardar substâncias como azeite, vinagre e até mesmo cerveja em recipientes de plástico, que não permitem que o oxigênio penetre no interior e deteriore a substância. Esse é um pouco do universo que se observa nesse momento e que, certamente, tende a crescer bastante. Eu diria que a área dos cosméticos é a área de maior visibilidade na utilização da nanotecnologia em nosso país.
FAPESB - Por que a implantação do Instituto Nacional de Nanotecnologia causou tanta polêmica? Oswaldo Luiz Alves - Mais uma vez, por se tratar de uma área que tangencia diversas áreas do conhecimento e, conseqüentemente, os seus vários atores acabam tendo formas diferentes de ver a mesma questão. Existem pessoas que estão interessadas na existência de um instituto, que seja referência. Existem pessoas que estão interessadas em atuar em redes cooperativas de pesquisa científica. Na minha opinião, essas coisas não são excludentes. O processo da nanotecnologia deve ser encarado dentro de uma estratégia na qual todos os atores, todas essas idéias, possam ser contemplados dentro de um programa nacional.
FAPESB - Então se trata de modelos diferentes na organização das pesquisas? Oswaldo Luiz Alves - Exatamente. As controvérsias existem porque existem pensamentos diversos de como organizar a pesquisa na área. Mas, na minha opinião, essa não é uma questão tão importante. O mais importante é que o Brasil se lance na área e use a competência já existente. Também é importante criar novas competências, e que esse processo seja uma iniciativa nacional. Devemos ter vários atores - sejam institutos, sejam redes - mas todos eles devem trabalhar na direção daquilo que o país quer atingir.
FAPESB - O Instituto de Nanotecnologia Brasileiro foi orçado em 30 milhões de reais. Esse valor é suficiente para posicionar o Brasil mundialmente na pesquisa nesta área? Oswaldo Luiz Alves - Não. 30 milhões é um valor que pode ser considerado importante, mas os investimentos aplicados em programas nacionais de outros países são muito mais elevados. Isso significa que a questão do financiamento da nanotecnologia terá que ser um misto de dinheiro do Estado, portanto das agências de fomento, dos fundos setoriais, mas também do setor produtivo. Acho que nós teríamos condições de aumentar esse valor. Necessitamos de um aporte suplementar importante de recursos para que essa atividade cresça bastante em nosso país. FAPESB - Uma sondagem recente realizada pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), mostra que no Brasil apenas 1,7% das empresas investem em inovação. Quais ações o senhor acha que devem ser feitas para estimular a inovação de nanotecnologia no setor produtivo? Oswaldo Luiz Alves - Aquela reunião que eu comentei, ocorrida em São Paulo, e outras que vão se seguir, vão exatamente no sentido de sensibilizar o setor produtivo. E o discurso é muito claro, quer dizer: se não houver a inovação tecnológica, os negócios podem sofrer prejuízos. Como eu disse, a nanotecnologia está chegando e assumindo um conjunto importante de modos de produção de maneira que, em muitos casos, quem não tiver produtos que tenham alguma base de nanotecnologia, certamente terá problemas de competição no mercado. O diálogo com o setor produtivo é muito importante, diria fundamental. Devemos sensibilizá-lo para que comecemos os projetos juntos: academia e setor produtivo.
FAPESB - Qual o papel da academia no sentido de incentivar a inovação dentro do setor produtivo? Oswaldo Luiz Alves - Essa é uma questão muito importante. Vale a pena, antes de tentar respondê-la, discutir um pouco o que está por trás dela: a questão das patentes. Qualquer relacionamento com o setor produtivo passa pela questão das patentes. Não existe ainda consolidada, na universidade brasileira, a cultura das patentes. Não existe, na grande maioria das vezes, a preocupação de proteger o conhecimento através desse instrumento. Estamos num momento extremamente interessante porque a academia e o setor produtivo estão se olhando de maneira nova. Há algum tempo nos olhávamos como dois mundos completamente independentes. Eu, por exemplo, sou membro do Conselho Deliberativo do CNPq e, este conselho, conta também com representantes do setor produtivo. As decisões do CNPq, portanto, têm a participação também dos representantes do setor empresarial. A inovação está diretamente ligada à conjunção destes dois mundos. É importante considerar que dentro de algumas grandes empresas também há pesquisa para a inovação. Hoje, já é aceita a visão de que uma boa ciência é um dos elementos importantes para a geração de PIB. FAPESB - Como a aprovação da Lei de Inovação ajuda nesse processo? Oswaldo Luiz Alves - Todas as leis tem aspectos positivos e negativos. Qualquer lei é fruto de uma extensa negociação. Apesar de não ser uma lei de inovação que todos gostaríamos, dá um passo importante nessa questão que eu coloquei: a cooperação entre o setor produtivo e o setor acadêmico. A pesquisa que está relacionada ao desenvolvimento do produto, via de regra, é feita dentro do ambiente empresarial, o desenvolvimento do conhecimento, por outro lado, é feito dentro do ambiente acadêmico. Temos que aprender a trabalhar juntos; encontrar sinergias nas diferenças. FAPESB - Sobre a ameaça do que a mídia tem chamado de grey goo (gosma cinza), a nuvem de nanomáquinas que se autoreproduziriam e infestariam todo o planeta. É uma possibilidade real, ou é apenas ficção? Oswaldo Luiz Alves - Eu sou de uma linha da nanotecnologia real. Eu me envolvi com nanotecnologia quando ela ainda não era nem chamada por esse o nome. Nossos primeiros trabalhos ligados a nanopartículas de semicondutores são de 1989. Somente muito depois, fomos rotulados de pesquisadores que trabalhavam com nanotecnologia. O que eu poderia dizer é que há um conteúdo ficcional em várias observações. Principalmente Eric Drexler, nos seus dois livros, que levaram a especulação sobre "grey goo". Muita gente fala de motorzinhos dentro do corpo humano. Eu não vou dizer que isso não possa vir a acontecer. Mas, neste momento, eu não consigo visualizar este panorama porque ainda existem uma série de gargalos científicos que precisam ser superados antes de se atingir tal situação. Ao invés de pensar nisso, devemos nos preocupar com que tipo de impactos a nanotecnologia trará para a saúde das pessoas e para o meio ambiente. Um dos editais lançados pelo CNPq, neste ano, tinha uma chamada específica incitando os pesquisadores a começar estudar estes grandes problemas. Certamente teremos implicações sociais importantes quando essa tecnologia for disseminada e estiver integrada ao cotidiano. Com relação a gosma cinza, no momento, ela tem muito pouca importância.
FAPESB - Foi publicada, recentemente uma edição de uma revista promovida por seguidores de determinado culto religioso com a seguinte chamada: "Células tronco, manipulação genética, nanotecnologia - Precisamos de Limites?" Estas três tecnologias realmente trazem um perigo maior, ou é apenas medo do novo? Oswaldo Luiz Alves - Se analisarmos todos os ciclos científicos da humanidade, sempre que estávamos diante do novo essas situações apareceram. Pode-se imaginar como foi quando se começou, por exemplo, o uso de vacinas. Hoje as pessoas podem até ter uma saúde melhor, mas com certeza deve ter havido algum tipo de rejeição, como a que está havendo agora. O que acontece é que muitas dessas novas tecnologias acabam colocando em questão valores arraigados na sociedade e que, em princípio, precisam ser respeitados. Essa é uma discussão que nós vamos ter. Quanto mais instruída a sociedade, melhor ela vai fazer as suas escolhas. Foi o que aconteceu com os organismos geneticamente modificados. Apesar de ter havido uma discussão calorosa o assunto ainda não está completamente pacífico. Contudo todo esse nível de esclarecimento fez com que tivéssemos uma melhor idéia do que se tratava. O que temos que considerar é que tudo envolve um certo risco. Resta saber se queremos correr o risco e, sobretudo, se saberemos administrá-lo. Mesmo um medicamento que você toma e faz muito bem para a sua saúde tem uma margem de risco. Quando você ingere um medicamento ele acaba interagindo com todo o organismo. Apesar de funcionar para debelar uma infecção, por exemplo, assim mesmo ele traz riscos. O novo sempre traz uma certa insegurança; assim é necessário municiar a sociedade com informações. Devemos chegar a um ponto em que as próprias organizações da sociedade sejam capazes de não só discutir tais assuntos, mas, até mesmo, subsidiar a tomada de decisões. Nota do Managing Editor: Esta entrevista foi veiculada primeiramente em 09 de dezembro de 2004 na rubrica Pesquisador On-Line Notícias, no site da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (http://www.fapesb.ba.gov.br) na sua primeira versão. A versão aqui apresentada contém algumas pequenas correções que não modificam o conteúdo original. |
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