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ENTREVISTAS

LQES NEWS entrevista o Professor Etelvino Bechara, do Instituto de Química da USP.






Etelvino J.H. Bechara, nascido na Serra do Caparaó (MG) em 1944. Bacharel (1968), Licenciado, Doutor, Livre-Docente e Professor Titular (1990) do Instituto de Química da USP. Posdoctoral Fellow da Johns Hopkins University (Química, 1974) e Research Associate da Harvard University (Biologia, 1975-76). Formou 13 doutores e onze mestres e publicou mais de 140 trabalhos dentro de temas da Quimioluminescência Orgânica, Bioluminescência e Estresse Oxidativo. Editou número especial da Química Nova sobre Química Ambiental, na fase preparatória da ECO-92 (RJ), quando era presidente da Associação em Defesa do Parque Nacional das Emas, e outro da Ciência e Cultura (1995) sobre as pesquisas de radicais livres na América Latina. Colecionador de arte naïf brasileira e consultor do Museum de Stadhoff (Zwölle, Holanda). Co-fundador (Sócio no. 3), ex-tesoureiro, -secretário geral, -vice-presidente, -presidente e -conselheiro da SBQ. Fellow Guggenheim 1996, Membro Titular da ABC 1996, Medalha Simão Mathias 1997, Prêmio ABRAFATI 2001, Prêmio Fritz Feigl 2003, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico 2004, Pesquisador 1A do CNPq desde 1991.



LQES - Professor Etelvino, são poucos os Institutos de Química que têm Departamentos de Bioquímica. Estes Departamentos, em algumas universidades brasileiras, estão locados em Institutos de Biologia ou, até mesmo, em Faculdades de Medicina. A que o Senhor atribui tal situação?

Professor Etelvino - Como a Bioquímica é historicamente a linguagem da Biologia, Medicina, Farmácia e outras ciências da vida, é natural que os bioquímicos estejam alojados em institutos e departamentos destas mesmas áreas. Nas últimas décadas, entretanto, a Química se infiltrou vigorosamente nas bases destas ciências e nenhum profissional ou pesquisador delas pode hoje prescindir de sólidos conhecimentos de espectroscopia, estrutura e reatividade das biomoléculas para acompanhar o seu progresso. Não é por menos que, ultimamente, o Prêmio Nobel de Química foi outorgado a descobertas de cientistas biomoleculares: químicos, biólogos e médicos. Canais protéicos de água e íons, métodos físicos (RNM e EM) de estudo de macromoléculas, mecanismos de reação de NaKATPase e ATP sintase, métodos químicos para estudo de DNA (PCR, mutagênese sítio-dirigida, etc.), propriedades catalíticas de RNA e estrutura tridimensional de complexos protéicos fotossintéticos são alguns exemplos de temas premiados pelo Nobel. Já o de Medicina e Fisiologia contemplou trabalhos, diria que com forte componente "físico-químico", sobre receptores protéicos de odores, imageamento de órgãos humanos internos por NMR, a química do óxido nítrico no sistema cardiovascular, o papel das proteínas G na transdução de sinais celulares, mecanismos de fosforilação de proteínas sinalizadoras e novos conceitos para o tratamento de doenças com fármacos sintéticos. Tudo isto defende, creio, a idéia de que o lugar privilegiado da Bioquímica são hoje os institutos de Química.

A reforma da USP na década dos sessenta nos premiou com a reunião das antigas cátedras/disciplinas de Química das várias faculdades da USP (Engenharia, Farmácia e o Departamento de Química da ex-FFCL, isto é, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) no atual Departamento de Química Fundamental, e as de Bioquímica (Biologia, Veterinária, Odontologia, Medicina, Farmácia e FFCL), no Departamento de Bioquímica, os quais formam o Instituto de Química (IQUSP). O IQ é, sem dúvida, um nicho especial para Químicos e Bioquímicos, com seu leque de expertises que vão das subáreas tradicionais da Química (Analítica, Inorgânica, Orgânica, Físico-química), passando pela Bio-orgânica, Química Ambiental, Nanotecnologia, Materiais, Espectroscopia de Macromoléculas, até a Bioquímica Metabólica, Química e Bioquímica de Radicais Livres, Química Medicinal, (Bio)química do Gene, Biotecnologia, Bioinformática e Biologia Celular. Como decorrência, o parque instrumental do IQ é cada vez mais planejado e compartilhado pelos dois Departamentos, o que traz inúmeras vantagens de custo, manutenção, atualização e suporte técnico-científico, contribuindo para que nossos grupos de pesquisa possam atuar competitivamente nas linhas de frente da pesquisa científica e tecnológica mundial.

LQES - Esta situação também ocorre em Universidades estrangeiras, nos Estados Unidos, por exemplo, ou é uma peculiaridade da pesquisa científica brasileira?

Professor Etelvino - Nas universidades estrangeiras, a Bioquímica ocupa lugares em departamentos de várias áreas do conhecimento - Biologia, Química, Medicina, etc., se é que se pode falar em áreas tradicionais da ciência, porque todas elas estão sendo reagrupadas e renomeadas (ex.: Nanotecnologia; Biotecnologia; Materiais; Neoquímica; Química Verde, etc.), em virtude da multi- e interdisciplinaridade do conhecimento atual. Em Harvard, há um Departamento de Bioquímica junto com o de Química, mas muitos pesquisadores laureados com o Nobel de Medicina (leia Biologia Molecular) ainda estão nos Biological Laboratories. Na Johns Hopkins University e na Georgia State University, os dois departamentos - Química e Bioquímica/Biologia Molecular - ocupam o mesmo prédio. Em Düsseldorf, por outro lado, há grupos fortes em bioquímica metabólica alojados no Institut für Physiologishe Chemie e na Universidade de Buenos Aires, a bioquímica está associada à Escola de Farmácia, aliás a única que tem curso de graduação em Bioquímica. Tudo depende da história e da estrutura de ensino e pesquisa da universidade. Os exemplos citados são aqueles que conheço de perto.

LQES - Somado a este fato, e, conseqüentemente, à pequena exposição que os alunos dos cursos de Química têm ao substrato teórico-
experimental da Bioquímica, a formação destes não fica, no mínimo, incompleta?


Professor Etelvino - Concordo plenamente. Não tenho dúvidas de que os currículos dos cursos de Química das universidades brasileiras, em virtude de sua intrínseca forte base molecular/estrutural e funcional, são os mais favoráveis para uma atuação competente de seus formandos em áreas estratégicas da atualidade, tais como Biotecnologia, Nanotecnologia, Saúde, Nutrição, Meio Ambiente e Segurança. No entanto, infelizmente, a maioria dos nossos cursos de Química carece de formação forte em Bioquímica, Química Medicinal e Microbiologia, enquanto os de Biologia e Medicina não foram ainda suficientemente "contaminados" pela Química. Neste contexto, vale lembrar o Curso de Ciências Moleculares da USP que, na minha opinião, celebra um ménage perfeito entre a Física, a Química e a Biologia. Os alunos egressos deste curso têm sido extremamente bem sucedidos em setores aparentemente tão distintos como a Biotecnologia, Terapia Celular, Materiais e Economia.

LQES - O Senhor, certamente, é uma das maiores autoridades brasileiras no estudo de radicais livres, os quais têm uma relação, acredito, direta com a questão do envelhecimento. Há possibilidade dos conhecimentos básicos poderem, de alguma forma, ser transferidos para as políticas públicas de saúde, em termos de aspectos preventivos ou mesmo terapêuticos?

Professor Etelvino - Não diria "uma das maiores autoridades brasileiras no estudo de radicais livres" (pioneiro no Brasil, talvez), mas faço parte de um macrogrupo de pesquisadores "radicais", espalhados pelo Brasil, embora concentrados em São Paulo, beneficiário de recursos de várias agências e programas - FAPESP Temático, FINEP, PADCT (dois), PRONEX e, agora, candidatos ao Milênio, com o "Projeto Redoxoma - Bases Moleculares e Implicações Terapêuticas". Este macrogrupo abriga hoje pesquisadores de quatorze instituições de ensino superior e/ou pesquisa de SP, MG, RJ, PR, DF, AM e RN, com expertise nas áreas de Química, Biofísica, Bioquímica, Biologia Molecular Farmácia e Medicina. O principal objetivo do projeto é desvelar eventos moleculares das células, envolvendo processos de transferência de elétrons e radicais livres, os quais alicerçam todo o seu funcionamento normal e desvios do metabolismo quando as mesmas estão expostas a agentes xenobióticos tóxicos ou causados por desordens genéticas.

Uma de nossas metas é aprofundar o estudo da bioquímica do envelhecimento e doenças degenerativas a ele associadas, resultantes (ou geradoras) de um desbalanço redox na produção e consumo de espécies reativas de oxigênio (ex.: peróxidos; radicais superóxido; hidroxila e carbonato; além de oxigênio singlete e cetonas triplete), de nitrogênio (ex.: NO; NO2; N2O3 e peroxinitrito) e de enxofre (ex.: radicais tiil e ácidos sulfênicos), os quais causam lesões químicas e perda de funções a proteínas, polissacarídeos, lipídios e DNA. Há hoje uma pletora de indicações confiáveis na literatura de que o envelhecimento, embora fortemente determinado pela herança genética, pelo ambiente e por certos hábitos (tabagismo, exercício físico extenuante, bronzeamento natural ou artificial e alcoolismo, por exemplo), pode ser retardado por dieta rica em vegetais e por baixo consumo calórico. Por exemplo, muitos estudos apontam um aumento de pelo menos 30% na vida média e na idade máxima de vida de animais experimentais submetidos a dietas pobres em calorias. Somos como um automóvel - quanto maior a quantidade e mais rapidamente consumimos combustível, mais rapidamente somos "enferrujados" pelo oxigênio consumido e perdemos potência. As pesquisas na área de radicais livres (na verdade, apenas "radicais", por recomendação da IUPAC) têm contribuições com forte impacto positivo na saúde pública, entre elas as terapias antioxidantes com vitaminas, miméticos e quelantes, as dietas ricas em frutas, verduras e grãos, remédios para doenças neurodegenerativas (Parkinson, Alzheimer, Huntington), cosméticos rejuvenescedores, o Viagra e similares, etc.




LQES - Recentemente apareceram na literatura trabalhos que demonstram valores muito altos de chumbo em exames de populações de zonas deprimidas, e que, eventualmente, tal situação poderia estar associada a um maior grau de violência nestas regiões. Há mais alguma novidade sobre estes estudos?

Professor Etelvino - Há, de fato, muitos trabalhos da literatura que associam a intoxicação com chumbo e comportamento violento, e, até mesmo, criminoso, de jovens. Há muito tempo, pesquisas realizadas com ratos e camundongos alimentados com água contendo chumbo já mostraram sérias alterações na proliferação, diferenciação e estruturação (plasticidade cerebral) de células do sistema nervoso central. Estes efeitos puderam ser relacionados a alterações de comportamento dos animais. Outro grupo de estudos, realizados em paralelo, apontaram déficits de aprendizagem, atenção, memória e QI, além de comportamento agressivo, em crianças e adolescentes expostos a chumbo, principalmente quando na vida intra-uterina ou nos primeiros anos de vida. Em adultos, o chumbo causa sabidamente anemia, hipertensão, disfunções renais, esterilidade, surdez, cefaléias, alucinações e redução da longevidade. Estes efeitos talvez expliquem a reconhecida imbecilidade, perversidade e infertilidade dos imperadores Nero, Calígula, Caracala e Domiciano, intoxicados pelo acetato de chumbo (presente de Saturno aos romanos, daí o nome "saturnismo", dado à intoxicação por chumbo) adicionado ao vinho para adocicá-lo.

Na década dos anos oitenta do século passado, o banimento do chumbo das tintas de parede, gasolina e enlatados, nos Estados Unidos provocou uma queda de 80% no número de crianças contaminadas por chumbo. Em 1991, os Centers for Disease Control and Prevention (CDCs), dos Estados Unidos, estabeleceram que o limiar tolerável para chumbo plasmático em crianças deveria ser de dez microgramas/dL de sangue. Porém, estudos desta década mostram alterações cognitivas e de comportamento, inclusive anti-social, em crianças com cinco microgramas do metal. Economistas americanos têm sugerido ao governo a doação de casas novas a famílias residentes em domicílios construídos na década dos cinqüenta, quando não se controlava o teor de chumbo em tintas de parede, consideradas a fonte mais importante de envenenamento por chumbo. Segundo eles, haveria lucros financeiros e sociais se esta medida fosse implementada no país. A EPA e os CDCs estabeleceram que o chumbo não deve ultrapassar 0.06% nas tintas. Finalmente, dois estudos recentes, um realizado em Cincinatti e outro em Pittsburgh, através da avaliação de chumbo em cordão umbilical de bebês e na tíbia de adolescentes infratores, respectivamente, denunciaram uma tendência 4 a 5 vezes maior de delinqüência em indivíduos com mais de vinte microgramas de chumbo do que em adolescentes-controle não agressivos. Nosso grupo de pesquisa, com a colaboração da Profa. Dra. Wanda Günther, da Faculdade de Saúde Pública da USP, e com o suporte da FAPESP e do Projeto do Milênio sobre o redoxoma celular, caso seja aprovado, pretende repetir e ampliar estes estudos, tendo como alvo a população adolescente de Lins e Bauru, onde se encontram unidades da FEBEM e planta da AJAX, produtora de baterias de carro. Nossa preocupação, além do interesse científico, é gerar informações dentro de nossa realidade social sobre a indução de atitudes delinqüentes em adolescentes pelo chumbo, visando o estabelecimento de políticas públicas para prevenção da intoxicação por este metal e assegurar-se, assim, os direitos da criança a uma vida adulta sadia e produtiva, além de contribuir para a redução da violência urbana.

LQES - Ainda na linha das questões ambientais, como vão seus estudos sobre o efeito da ação de insetos sobre pinturas automotivas? Há mais evidências contra a chuva ácida?

Professor Etelvino - Apenas para contextualizar a pergunta: o Dr. Cassius Stevani (IQUSP) e eu descobrimos recentemente que a corrosão do verniz (resina acrilomelamínica) de acabamento de carros por ovos de libélulas depositados em sua superfície se deve à hidrólise ácida do verniz catalisada por ácido cistéico (um ácido sulfônico), formado por oxidação de cisteína da proteína do ovo por oxigênio e peróxido de hidrogênio, na superfície quente do carro. A temperatura do capô ultrapassa 70ºC no caso de carros escuros (e 90ºC, se pretos), expostos ao sol do meio-dia no verão. As libélulas e outros insetos aquáticos são atraídos pela luz polarizada horizontalmente refletida pela superfície do carro (polarotaxia), mimetizando um espelho d'água, o ambiente em que se passam suas fases de ovo, larva e ninfa. A corrosão "biológica" pelos ovos de libélulas é, portanto, essencialmente um fenômeno semelhante ao provocado por chuva ácida, em que o principal agente é o ácido sulfúrico. Infelizmente, nossa proposta de pesquisa de aditivos à formulação dos vernizes para prevenir a corrosão, sem exterminar as "lavadeiras", que são predadores de mosquitos vetores de doenças tropicais, tais como dengue, malária e febre amarela, não foi aceita pelas empresas interessadas - na época, Rener-DuPont e GM -, e nossas pesquisas sobre libélulas e carros estacionaram aí.

LQES - Salvo melhor juízo, já faz muito tempo que não há um grande programa de Bioquímica, como aquele da FAPESP, dos anos 60 ou 70. Há necessidade, em sua opinião, de um esforço nesta direção, ou a Bioquímica já está consolidada e disseminada em outras áreas de domínio conexo, que isto seria desnecessário?

Professor Etelvino - Os programas da FAPESP, implementados para desenvolver as áreas de Bioquímica (BioqFAPESP, no passado, e Genoma, recentemente,) e Biologia (Biota) tiveram resultados fantásticos e deixaram o Estado munido com boa densidade de pesquisadores qualificados, um parque moderno e sofisticado de equipamentos e uma visibilidade na mídia nacional e internacional sem precedentes históricos. Vários dos pesquisadores envolvidos nestes programas hoje dirigem empresas e aparecem freqüentemente nos jornais e TVs. Foram muito bem-sucedidos científica e financeiramente. Excluindo-se de consideração o LNLS, a Química e a Física não tiveram a mesma sorte, ou melhor, diria que faltaram agressividade e idéias aos pesquisadores para proporem redes em temas de fronteira destas ciências, principalmente aqueles de interesse do Meio Ambiente, Tecnologia Industrial e Saúde. Não tenho dúvidas de que a FAPESP está em falta com a Química.

LQES - Em sua opinião, quais seriam três assuntos, ou mesmo três áreas, em que um Bioquímico, com forte formação em Química, poderia atuar de maneira altamente significativa?

Professor Etelvino - Realisticamente, no Brasil, eu apontaria os temas ligados: (1) às Ciências Ambientais, por exemplo, desenvolvimento de bioindicadores e métodos de remediação química/microbiológica de água, solo e lixo industrial e doméstico; (2) à Síntese Orgânica de fármacos, feromônios, neuroinibidores e sondas químicas de sinalizadores celulares com atividade redox e, (3) aos programas Proteoma/Metaboloma, para elucidar o fluxo de informações químicas na cadeia DNA-proteína-vias metabólicas e suas aplicações, visando principalmente às suas aplicações na Medicina, Agricultura e Bionanotecnologia. Esta última área, emergida principalmente nos últimos dois anos, é "quentíssima", mas ainda praticamente virgem no Brasil.

LQES - Como o Senhor vê as interfaces da Bioquímica com as chamadas novas tecnologias, como a biotecnologia, nanotecnologia e, eventualmente, as ciências dos materiais?

Professor Etelvino - Bom, creio que esta pergunta já está parcialmente respondida acima, mas queria falar um pouco mais da Bionanotecnologia. Ela se alicerça na obviedade de que a célula é uma fonte rica e inesgotável de idéias e lições para o Químico: proteínas e enzimas que, com a mediação de pequenas moléculas mensageiras e sinalizadoras, executam ordens neuronais e hormonais com rapidez e especificidade; proteínas que se movimentam (cinesinas, miosinas), giram (ATP sintase, proteínas de flagelos) e "fazem força" (dineínas) e que inspiram a construção de nanomáquinas; sistemas supramoleculares que se auto-organizam e se replicam (DNA e proteínas); proteínas ou células que podem ser estruturadas como nanotubos (amilóide e células musculares); macromoléculas (proteínas e DNA) conjugadas ou enclausuradas em nanotubos de carbono, nanopartículas de ouro ou fulerenos, que podem ser usados como biosensores ou liberadores de compostos bioativos (fármacos, interleucinas, anticorpos), etc., tudo isso ocorrendo em escalas de segundo a picosegundos. Já se projetam filmes e microcápsulas nano-estruturadas, com baixa imunogenicidade, preparados a partir de peptídeos sintéticos, carreadores de um "motif" protéico biocompatível. Também estão sendo pesquisadas sondas para microscopia de varredura, preparadas a partir de nanotubos de carbono revestidos de etilenodiamina para torná-los menos insolúveis em meio aquoso; DNA depositado sobre fragmentos de mica já foi incorporado nestas nanoestruturas. Recomendaria aos químicos a leitura do interessantíssimo e divertido (para bioquímicos, pelo menos!) artigo "Molecular Machines", de autoria de Mavroidis, Dubey e Yarmush, publicado no Annual Review of Biomedical Engineering, volume 6, páginas 363-95, de 2004, onde discutem nanomáquinas baseadas em proteínas/ATP, em DNA e em partículas virais. A propósito, no mundo macroscópico, vale lembrar a contribuição da Entomologia à Bio-robótica, com suas descobertas das estruturas e mecanismos biológicos de força (pernas e mandíbulas de formigas e besouros) e movimento (asas de mariposas e borboletas). Este tema constituiu um capítulo importante no Congresso Internacional de Entomologia realizado em 2004, em Brisbane (Austrália).

LQES - Uma pergunta final, constante de todas as nossas entrevistas: Que conselhos o Senhor daria a um estudante que está terminando a graduação em Química, e que pretende continuar seus estudos de pós-graduação em Bioquímica?

Professor Etelvino - De início, aconselharia qualquer graduando de Química a não se descuidar de sua formação geral, separando um pouco de seu tempo para congressos, feiras tecnológicas, concertos, museus, jornais e literatura. O graduando tem de ser excelente em Química, mas também bem informado e um bom comunicador, na expressão oral e redação. Alienado, ele não convencerá ninguém em nenhuma entrevista, e, mais importante, não poderá realizar-se como um cidadão produtivo e feliz. Sua grade curricular tem de ter espaço para a Iniciação Científica, pois, infelizmente, o ensino universitário no Brasil é ainda excessivamente decorativo, baseado em livros-texto, quando não em apostilas, e o aluno não tem a oportunidade de descobrir como o conhecimento é produzido no laboratório. Fica com a impressão falsa e perigosa de que o conhecimento está pronto, é imutável. Sua criatividade e senso crítico ficam bloqueados. Bem, se o graduando já definiu a Bioquímica como área de especialização, então ele deveria adicionar ao seu programa de disciplinas optativas aquelas relacionadas à Biologia Celular, Ecologia, Biotecnologia, Bioinformática, Microbiologia, Toxicologia, Imunologia ou Neuroquímica, dependendo da subárea que escolheu. Minha experiência como educador e pesquisador da área de Bioquímica tem sido extremamente recompensadora. Trabalhar com temas da Biologia (bioluminescência de vaga-lumes), da Biotecnologia (corrosão biológica de carros) e da Medicina (bioquímica do saturnismo, porfirias e, agora, diabetes) deu-me o privilégio de poder "brincar" com moléculas e suas expressões no mundo macroscópico e divulgar as novidades não só em revistas científicas, mas também interagir fortemente com a sociedade através dos jornais e revistas de bancas, TVs e palestras para o público em geral.

LQES NEWS - Muito obrigado pela entrevista e grande sucesso em suas pesquisas.


Nota do Managing Editor: entrevista feita pelo Professor Oswaldo Luiz Alves, Coordenador Científico do LQES Website e do LQES NEWS, em junho de 2005.

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