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ENTREVISTAS
Entrevista exclusiva ao LQES NEWS, de Adalberto Luís Val, Diretor do INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
Adalberto Luís Val é Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Pesquisador do Instituto, estuda desde 1981 a respiração e as adaptações dos peixes da Amazônia às modificações do meio ambiente, tanto aquelas de origem natural como aquelas causadas pelo homem. Doutorou-se em 1986. Entre 1990 e 1992 realizou pós-doutorado na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá. Sua contribuição científica inclui mais de 80 trabalhos em periódicos nacionais e estrangeiros; mais de 20 capítulos de livros e dez livros, entre os quais se destaca "Fishes of the Amazon", publicado pela Springer Verlag, Alemanha. É atuante como membro de várias sociedades científicas: SBPC, SBFis, SBG e SBI (Brasil); Sociedade Sul-Americana de Bioquímica e Fisiologia Comparada; American Fisheries Society, British Isles Fisheries Society, Canadian Society of Zoologists, The Society of Experimental Biology (Inglaterra). No âmbito dessas sociedades organizou 13 eventos, sendo 9 internacionais, ocorridos em outros países (6) e no Brasil (3) e apresentou cerca de 200 comunicações científicas. Proferiu 60 palestras no Brasil e no exterior (África do Sul, Alemanha, Austrália, Canadá, Escócia, Estônia, EUA, Holanda, Índia, Inglaterra, México). Orientou 50 alunos de Iniciação Científica, 29 dissertações de Mestrado e 9 (uma em curso) teses de Doutorado, além de ter recebido diversos colaboradores em nível de pós-doutorado. Tem participado ativamente do estudo das causas e conseqüências dos desequilíbrios regionais quanto ao desenvolvimento educacional, cientifico e tecnológico. Em 2000, na Inglaterra, foi incluído na Legião de Honra da American Fisheries Society, Physiology Section por sua contribuição científica; em 2002, recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2004, recebeu o "Award of Excellence", da sessão de Fisiologia da American Fisheries Society. Em 2005 foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências. ALV - Passei toda minha infância ajudando meus pais na Fazenda São Quirino, andando de uma roça de café à outra, ao longo do que hoje conhecemos como Rodovia Dom Pedro I. Após receber os primeiros ensinamentos com vistas à alfabetização na Escola Mista da Estação de Anhumas (isso mesmo, uma escolinha que ficava perto da Estação de Anhumas, aí mesmo em Campinas), conclui o ensino primário na Escola Mista da Fazenda São Quirino. Depois do ginásio, na cidade, no Colégio Estadual Barão de Ataliba Nogueira, tive a oportunidade singular de estudar Bioquímica no Colégio Técnico e Industrial Conselheiro Antonio Prado que, para mim, foi mais do que uma escola, foi ao mesmo tempo minha primeira faculdade e a formação que carrego até hoje. Lá, tive aulas com vários de nossos colegas aí da UNICAMP. Ao longo do curso, fiz vários estágios em empresas da região de Campinas, mas o que gostava mesmo era o desafio da pesquisa científica. Ao terminar o curso de Bioquímica, fui estagiar na Universidade Federal de São Carlos e lá percebi de pronto que era preciso um curso superior. Estudei Biologia em Ribeirão Preto, ao mesmo tempo em que aprendia na prática, com os professores de São Carlos, os princípios da pesquisa científica. Em 1979, por intermédio do grupo do Professor José Tundisi, então professor da UFSCar, conheci um grupo do INPA que se estruturava para estudar peixes da Amazônia. Esse grupo buscava colaboradores com perspectiva de fixação na região. Cheguei com minha esposa e, também, pesquisadora, Vera Val, em 1980, quando fomos contratados para trabalhar no INPA. A partir daí, nos prendemos mais e mais à região, pessoal e profissionalmente. Ajudamos a construir os marcos para o desenvolvimento do grupo de pesquisa com o qual até hoje estamos envolvidos. Pudemos nos envolver com várias ações relacionadas ao desequilíbrio regional em Ciência, Tecnologia e Inovação. O trabalho de pesquisa, sempre gratificante, nos impôs buscar capacitação adicional, o que realizamos por meio de um estágio pós-doutoral na Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, no Canadá. Após nossa volta, definitivamente convencidos de que a única saída para o rompimento das desigualdades são a capacitação e a fixação de pessoal qualificado na Amazônia, nos envolvemos com várias atividades relacionadas à pós-graduação na região. Isso nos levou a atuar fortemente nos programas de pós-graduação do INPA e, por conseguinte, na vida institucional. A experiência externa foi sendo construída por meio da participação em grupos de assessoramento no Brasil e no exterior. A atividade de pesquisa foi sendo construída e aprimorada por meio de cooperações tanto com grupos brasileiros como estrangeiros. O conjunto dessas atividades associado ao nosso conhecimento da Instituição levou o último comitê de busca a sugerir o nosso nome ao Ministro Sérgio Rezende para a direção do INPA. Aceitamos o desafio proposto pelo Ministro e hoje estamos à frente, junto com uma equipe de trabalho de alto nível, desta importante Instituição brasileira e internacional. LQES - Quais as principais dificuldades que o Senhor apontaria para a pesquisa na região amazônica e, em particular, no INPA? ALV - Carência de pessoal qualificado é a principal dificuldade para a pesquisa na Amazônia. Quando estamos falando da Amazônia, nunca é demais enfatizar que estamos falando de cerca de 60% da extensão geográfica do território brasileiro, uma área maior que a Europa, que envolve nove estados brasileiros (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Rondônia, Roraima). Estamos falando de uma região que abriga cerca de 20 milhões de brasileiros, de uma área pela qual flui cerca de 20% de toda a água doce que adentra os oceanos do planeta e possui uma extensa diversidade biológica e ambiental desconhecidas. Estamos, ainda, falando de uma região que representa a fronteira do conhecimento, nas suas mais diversas vertentes, mas não mais uma fronteira geográfica ou social. Este conceito, aliás, foi responsável por posições equivocadas o que resultou na exclusão da Amazônia da agenda nacional, levando-a a um distanciamento do processo de crescimento e modernização que o país experimentou. As condições complexas existentes na Amazônia, em constante evolução, desde o seu surgimento há milhões de anos, não podem ser rivalizadas com qualquer outro sistema terrestre conhecido; talvez o possa ser com sistemas pouco estudados como a Antártica, o Fundo do Mar e o Espaço Sideral. Há, hoje, atuando em todas as IES amazônicas cerca de 1300 doutores. Esse número contrasta fortemente com a capacidade instalada no país, bem como com nossa capacidade de formação de novos doutores: apenas no ano passado foram cerca de 10.000 novos doutores formados. Onde está a dificuldade, então? Ocorre que ciência é também uma atividade social. Precisamos, enquanto cientistas, estar imersos numa atmosfera capaz de refletir e se auto-questionar. Os pares de nossos poucos colegas que atuam na Amazônia, na maior parte das vezes, estão a horas de avião, o que dificulta a criação das condições mínimas para a fixação de pessoal na região. Há, entretanto, uma luz no fim do túnel, posto que há um alinhamento no pensar e atuar de várias de nossas agências estratégicas em nível nacional e o convencimento de governos locais quanto à importância da ciência e educação. Contudo, é preciso mais do que esse alinhamento - é preciso que a comunidade científica se convença de que a Amazônia não é apenas um depositário de uma fauna e uma flora desconhecida. Escrevi, recentemente, sumariando as discussões sobre a região no âmbito da III Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia: "Postura menor, equivocada, sugerir que a Amazônia é só uma região de bichos e plantas, de águas de diversas cores. É também e, principalmente, "social, cultural - moral". Na Amazônia, vivem cerca de 180 povos indígenas, algumas centenas de quilombolas e inúmeras comunidades de ribeirinhos que atuam em diversos setores da economia regional. Os povos indígenas são remanescentes de populações que, por ocasião da conquista, formavam de 3 a 5 milhões de pessoas. Não sabemos com segurança como se deu essa evolução desde 1500 até esse momento. Faltam estudos. Contudo, a pressão advinda do rompimento do Tratado de Tordesilhas parece ter sido um elemento importante. No bojo desse rompimento, consolida-se a divisão canônica Norte-Sul, representada principalmente pelo distanciamento do Estado da região. Hoje, isso toma feições complexas, posto que os 20 milhões de brasileiros que vivem na região, e produzem perto de 10% da riqueza do país (PIB), demandam, com justiça, respaldo para a intervenção social e ambiental que só a ciência permite. A ciência produzida na e utilizada pela Amazônia deve ter seus atributos, suas "amazonidades" (características peculiares) respeitados. Posto isso, não é demais enfatizar que a Amazônia não se vê como uma fronteira. Vê-se como uma região em si mesma, com as mesmas necessidades nos domínios da ciência, da tecnologia, da inovação e da educação que as demais regiões do país e do planeta". LQES - No próximo ano, 2007, a Reunião Anual da SBPC será sediada em Belém do Pará e terá como tema a Amazônia. Quais os benefícios que o Senhor apontaria, decorrentes do deslocamento de um grande número de pesquisadores, das mais diferentes áreas, mesmo que por uma semana, para o "ambiente amazônico". ALV - A SBPC sempre foi uma entidade atuante e presente nos mais diferentes momentos da vida nacional, sempre procurando veicular nossos anseios. Não só enquanto uma sociedade científica, mas, também, enquanto parte de uma nação que busca estabilizar as interações entre as diferentes instâncias nacionais. A interlocução com o Estado nem sempre foi pautada por relações amistosas, uma vez que a verdade da ciência nem sempre agrada a todos ou representa soluções definitivas, ainda que definitivamente seja o caminho seguro para qualquer intervenção. Os movimentos todos e as discussões ajudaram, sem dúvida, a mudar a forma como a sociedade brasileira e o Estado viam a Ciência e a Capacitação de pessoal no país. A produção de informações acerca da Amazônia, entretanto, sempre esteve aquém da demanda e do que era e ainda é necessário para uma intervenção primária. Dessa forma, o engajamento da SBPC nessa luta é mais do que bem vindo. A reunião de Belém, em 2007, certamente espelhará esta questão e discutirá a urgente necessidade de integração da Amazônia com todos os níveis da vida de nosso país. Mas deverá discutir, também, que essa integração não pode ater-se às fronteiras delimitadas pelo homem e que apenas a geração de informação pode de fato contribuir para sua preservação e uso racional da diversidade biológica construída ao longo de um processo evolutivo sem paralelos no mundo. LQES - Sabe-se que grande parte das pesquisas sobre a Amazônia não é publicada por pesquisadores brasileiros. Quais sugestões o Senhor daria para que este quadro passasse por uma modificação positiva, dentro de uma perspectiva de médio prazo. ALV - De fato, há um significativo desequilíbrio acerca de nossa capacidade de produção de informações sobre Amazônia, versus o de outras nações não amazônicas. Num levantamento recente, feito por meio do Portal de Periódicos da CAPES, encontrei a alarmante proporção de 60% dos artigos com a palavra "Amazônia" sem autor com endereço no Brasil. O pior, entretanto, é que boa parte dos artigos de autores brasileiros não incluía aqueles trabalhos na lista de referências consultadas, o que sugere que precisamos de gente inclusive para decodificar aqueles trabalhos e apoderar-se das informações produzidas alhures. Como mudar isso? Ampliar a capacidade de produção de informações acerca da Amazônia. Para isso, é necessário pessoal capacitado fixado nas IES da região que possa contar com apoio financeiro para o desenvolvimento de seus projetos de pesquisa. Na Amazônia, faltam os dois. Portanto, para mudar o quadro num curto espaço de tempo a região precisa ser de fato incluída na agenda nacional e que ocorra realmente uma cooperação entre as IES brasileiras para viabilizar a capacitação de pessoal. Evidentemente, essa ação precisa ter como conseqüência a contratação do pessoal qualificado, fixando-o na região. LQES - A Amazônia tem sido considerada, há muito, como repositório da biodiversidade do planeta. Que perspectiva vê o Senhor para que tal situação venha a ser incorporada de forma sustentável à economia nacional. ALV - Não sabemos exatamente o tamanho dessa biodiversidade e muito menos o seu valor. Contudo, sabemos, pelo muito pouco que conhecemos, que a diversidade biológica existente na Amazônia esconde infinitas surpresas, boas e ruins para a humanidade. O aproveitamento dessa riqueza depende, evidentemente, da avaliação dos dois lados dessa moeda, posto que da mesma forma que o homem, por meio de suas ações, exerce pressão sobre a diversidade biológica, esta também age sobre o homem da região. Portanto, aproveitar economicamente e de forma sustentável a riqueza requer antes de tudo esta avaliação. O desenvolvimento das nações envolveu, sempre, a destruição de florestas. Entretanto, hoje, temos ferramentas modernas, que não existiam na época em que essas nações se desenvolveram e, sem dúvida, entre essas ferramentas está a biotecnologia. Esta ferramenta é, nos dias de hoje, uma das mais importantes para diminuir a pressão do homem sobre a diversidade biológica. Contudo, é preciso desenvolvê-la e socializá-la para que seja efetiva. LQES - A população e os povos da Amazônia detêm um acervo incomensurável de conhecimento não-institucional, caracterizado pelas diferentes culturas que povoam a região. O Senhor vê possibilidades destes conhecimentos virem a se tornar uma fonte de novas idéias, de oportunidades de pesquisa e, até mesmo, de inovação. ALV - Sua colocação é mais do que pertinente. De fato, ao longo de sua história os povos da Amazônia acumularam um conjunto de saberes rico, diversificado e de grande valor científico. Muitas novas idéias e possibilidades nasceram a partir desse conjunto de saberes, de conhecimento não-institucional. Muitas outras se originarão daí. Contudo, há dois aspectos que devemos observar. O primeiro diz respeito ao caminho para a interação com os povos da Amazônia que precisam saber sempre qual ou quais os interesses dos que estão fazendo os contatos. Esses povos querem participar do processo de desenvolvimento, do estabelecimento das questões envolvidas nos processos de prospecção e no delineamento das ações em seus domínios. Esses povos querem participar e isso é uma demanda legítima. O segundo aspecto diz respeito à partição dos benefícios do que vier a ser gerado a partir desse conjunto de saberes. Para que esse conjunto de informações possa se tornar uma fonte de novas idéias e de novas oportunidades de pesquisas é necessário um trabalho altamente capacitado que incorpore um alto espírito ético e, de novo, a dificuldade é a disponibilidade de pessoal capacitado. LQES - Que conselho daria o Senhor a um recém-doutor que estivesse disposto a construir sua carreira acadêmica ou tecnológica na região amazônica, e, em particular, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. ALV - Eu diria aos muitos colegas que estão finalizando seus cursos de pós-graduação que procurassem estar no centro do maior conjunto de oportunidades profissionais disponíveis no planeta: a Amazônia. O INPA é o instituto do coração, orgulho da Amazônia. Trata-se de uma instituição altamente preparada e com infra-estrutura de alto nível para a pesquisa científica sobre biologia tropical. O conjunto de pesquisadores, técnicos e pessoal de apoio administrativo dá vida à enorme tarefa de conhecer a Amazônia. Fazer parte desse grupo tem sido um viver gratificante e sempre intelectualmente promissor. LQES - Muito obrigado e grande sucesso em sua gestão frente ao INPA. Nota do Managing Editor: entrevista feita pelo Professor Oswaldo Luiz Alves - Coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) e Editor Científico do LQES Website e do LQES NEWS -, em setembro de 2006. |
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