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ENTREVISTAS
"Nanotecnologia e o Agronegócio". Oswaldo Luiz Alves - Há várias definições de nanotecnologia na literatura. Nanotecnologia poderia ser o estudo, design, criação, síntese, manipulação e aplicação de materiais funcionais, dispositivos e sistemas, através do controle da matéria em nível nanométrico (1-100 nanômetros), isto é, em nível atômico e molecular, e a exploração de novos fenômenos e propriedades da matéria nesta escala. Lembrar que o nanômetro é a bilionésima parte do metro. Em termos comparativos, trata-se de uma grandeza cerca de 70.000 vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo. É importante que se tenha presente que não basta simplesmente ser pequeno, e, sim, ser um "tipo especial" de pequeno. Esta consideração me parece importante, na medida em que leva ao entendimento de que existem propriedades fundamentais dos materiais - químicas, físicas mecânicas e biológicas -, as quais dependem do tamanho, ou, melhor dizendo, estabelecem, abusivamente falando, uma "cumplicidade" com ele, cumplicidade esta que se constitui na chave de toda a Nanotecnologia. A questão da definição é importante, quando se considera que a Nanotecnologia é, também, uma atividade econômica. Aí, o caso das patentes é um ponto fundamental. Nos Estados Unidos foi criada, em 2004, pelo US Patent and Trademark Office (USPTO), a "Classe 977", categoria de patentes reservada às nanotecnologias. Para ter "assento" nesta nova categoria, uma invenção terá que apresentar pelo menos uma dimensão inferior a 100 nm. E não basta apenas isso: terá ainda que ter uma característica inovadora, diretamente ligada a esta escala nanoscópica. Resumindo: nem tudo que é nanométrico é, necessariamente, nanotecnológico! Fundepag - Quais avanços da ciência no Brasil, principalmente no setor do agronegócio? Oswaldo Luiz Alves - Sob a ótica científica, a produção brasileira na área de nanotecnologia é bastante significativa, qualificada e diversificada, conforme dados de estudo por nós coordenado para o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Isso se deve ao fato da Nanotecnologia ser uma ciência de convergência, que se apropria de conhecimentos oriundos da Química, Física, Biologia e das Engenharias. No Brasil, grande parte da atividade em nanotecnologia está relacionada aos estudos de nanopartículas, novas formas de carbono, nanocompósitos e nanobiotecnologia. Tais atividades acabaram, de um modo ou outro, se beneficiando de uma infra-estrutura construída ao longo de muitos anos, através de programas públicos de incentivo à pesquisa. Certamente vimos acompanhando o ritmo de desenvolvimento internacional, sobretudo na área de nanomateriais e nanobiotecnologia. A presença de uma estrutura de pesquisa nacional baseada em redes cooperativas de pesquisa em nanotecnologia e em Institutos do Milênio tem permitido vários avanços importantes, muitos dos quais já transformados em produtos. Cite-se, por exemplo, o caso do Biphor, novo pigmento branco desenvolvido no Instituto de Química da Unicamp pela equipe de Fernando Galembeck, em colaboração com o Grupo Bunge.
No que diz respeito especificamente ao setor do agronegócio, o exemplo mais emblemático talvez seja a "língua eletrônica", desenvolvida por Luiz Henrique Mattoso e equipe na Embrapa. Trata-se de um dispositivo que alia sensores químicos de espessura nanométrica com um sofisticado programa de computador para detectar sabores e que foi objeto de várias matérias na imprensa. Tal dispositivo poderá ser de grande importância no controle de qualidade e certificação de vinhos, sucos e outros produtos, sobretudo dentro da perspectiva das exportações. Certamente, com o lançamento do Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio da Embrapa, em São Carlos, em 2006, poderemos esperar outros desenvolvimentos focados no setor, num futuro bastante próximo. Na última Nanotec Expo 2006, realizada em São Paulo no mês de novembro, vários outros desenvolvimentos em andamento para o setor foram apresentados. Fundepag - O que ela representa para a agricultura e a pecuária? Onde a nanotecnologia pode ser aplicada? Oswaldo Luiz Alves - Não temos dúvida de que a nanotecnologia representa uma grande oportunidade para a agricultura e a pecuária. Isto pode ser avaliado quando se considera o desenvolvimento da National Nanotechnology Initiative (Iniciativa Americana para a Nanotecnologia), o programa que define a política americana para a área. No início do Programa, 2001, as verbas destinadas à pesquisa em agricultura no programa eram marginais. Hoje, 2006, já são bastante significativas e tendem a aumentar cada vez mais. Isto se deve sobretudo à percepção, percepção da qual também compartilhamos, das grandes potencialidades das nanotecnologias virem a impactar de maneira significativa este setor. A Nanotecnologia é caracterizada por seu caráter "pervasivo", ou seja, estará imbricada, nos próximos anos, em todas as grandes áreas do conhecimento e, por conseqüência, nas subáreas. Não será diferente na agricultura e na pecuária, quer em aspectos diretamente relacionados com elas, quer pela agregação e apropriação de conhecimentos oriundos de outras áreas. Como exemplos podem ser citados: biossensores, meio ambiente, agricultura sustentável, detecção de patógenos, produção de animais e plantas, produtos nanobioindustriais, medicina veterinária, bioprocessamento de alimentos, entre outros. "Abrir" cada um destes tópicos e outros não elencados aqui demandaria muito tempo e espaço, não obstante, nos parece importante comentar dois: aquele ligado à agricultura sustentável e o relacionado à medicina veterinária. No primeiro caso, a pesquisa e o desenvolvimento visam à redução dos produtos que podem levar a sérios prejuízos no que diz respeito ao meio ambiente, à saúde humana (pesticidas, herbicidas, adubos, etc., por exemplo), ou ainda a recursos cada vez mais escassos, como a água. Vale lembrar que neste tópico merece também grande atenção a produção de produtos agrícolas de forma cada vez mais sustentável. No que diz respeito à medicina veterinária, a perspectiva está baseada no uso da nanotecnologia para melhorar a sanidade animal e/ou a segurança de alimentos de origem animal. Como já enfatizamos, numerosos aspectos poderiam ser tratados, entretanto não temos espaço aqui para isso. De qualquer modo, faço uma indicação para aqueles que gostariam de dar mais densidade ao assunto: "Nanotechnology in Agriculture and Food Production - Antecipated Applications", publicado pelo Woodrow Wilson International Center for Schollars (EUA) (www.wilsoncenter.org), em setembro de 2006. Fundepag - Quais as vantagens e desvantagens da nanotecnologia na agropecuária? Oswaldo Luiz Alves - Muitos especialistas mundiais, diretamente focados nas aplicações da nanotecnologia na agropecuária, convergem em vários pontos. Um pequeno inventário das vantagens da nanotecnologia para o setor passa pelas novas ferramentas para a detecção rápida e o tratamento de doenças; aumento da "habilidade" das plantas na absorção dos nutrientes; dispositivos inteligentes que possam ajudar no combate aos vírus e outros patógenos; desenvolvimento de micronutrientes para rações de animais. Acreditam ainda que, no futuro (e não tão distante), poderão ser utilizados catalisadores que permitirão uma melhor eficácia dos pesticidas e herbicidas, com conseqüente diminuição das doses; apostam na proteção ao meio ambiente (indiretamente), através do uso de energias alternativas (e renováveis) e também de filtros ou catalisadores visando a remediação da poluição já existente (por exemplo de solos), uso de sistemas de "entrega de medicamentos" (drug-release) em animais e rastreamento através da tecnologia RFID (Radio Frequency Identification). Não poderíamos deixar de inserir aqui a agricultura de precisão, dado ser este tema bastante tratado nos países que atingiram a condição de "players mundiais" em algum tipo de produção agrícola moderna. Ela faz uso de computadores, sistemas de posicionamento global por satélite (GPS), dispositivos de sensoriamento remoto para medir precisamente condições localizadas do meio ambiente, de modo a verificar não só o desenvolvimento eficiente das culturas, como também identificar precisamente a natureza e localização dos problemas. Alguns autores vão além, não hesitando ao afirmar que o uso de dados centralizados poderá permitir determinar as condições do solo, o desenvolvimento das plantas, semeadura, fertilização, utilização de nutrientes e água (por exemplo, controle da irrigação), os quais poderão ser finamente sintonizados, visando à diminuição dos custos de produção e, potencialmente incrementá-la com benefícios econômicos para os agricultores. Neste particular, a união da nanotecnologia, biotecnologia e informática - dentro da perspectiva de sensores -, poderá criar equipamentos com elevada sensibilidade, com capacidade para "responder" adequadamente às mudanças ambientais. Com relação às desvantagens, poderão existir. Não obstante, acreditamos que é ainda muito cedo para fazermos prognósticos. O que temos certeza é que se quisermos entrar fortemente nesta área de aplicação das nanotecnologias precisamos da presença de marcos regulatórios adequados, estabelecidos à luz de dados científicos, para que sejam evitados os aspectos emocionais normalmente suscitados, que sempre acompanham as chamadas novas tecnologias. Certamente sabemos pouco ainda sobre os efeitos das nanoestruturas no meio ambiente, em animais e humanos, apesar do grande esforço da comunidade internacional envolvida com área e da grande quantidade de dados e informações que estão sendo gerados. Assim mesmo é pouco. Os governos devem investir recursos cada vez mais importantes para a pesquisa destes aspectos, que não são apenas científicos, mas que descortinam também impactos econômicos, sociais e éticos, para que se avance na direção de uma nanotecnologia segura, responsável e, sobretudo, validada pela sociedade. Fundepag - Quais são os efeitos e os impactos econômicos, sociais e ambientais? Oswaldo Luiz Alves - Começamos a responder esta pergunta no final da anterior. Com relação aos impactos econômicos se espera que a nanotecnologia, ou melhor, o negócio das nanotecnologias, já atinja a casa do trilhão de dólares, mesmo antes de 2015. Previsões mais otimistas, feitas há quase cinco anos, davam conta de que esta cifra seria atingida em 2020! Certamente o agronegócio será parte significativa deste valor, sobretudo se consideramos os alimentos e sua cadeia: seleção, processamento, embalagens inteligentes, embalagens com barreiras à umidade e gases que permitirão que os produtos possam permanecer um tempo maior nas prateleiras, mantendo a qualidade, dentre outros. Apesar de não existir dados disponíveis sobre este assunto, acreditamos que a saúde animal também terá papel destacado. Cabem neste negócio, com proeminência, os sensores e detectores que poderão determinar a qualidade dos alimentos para a exportação "in natura", como carnes, grãos, frutas, etc., permitindo atingir mercados mais sofisticados, com conseqüente impacto sobre o preço. No que se refere às questões sociais, ambientais e, acrescentamos, éticas, como dissemos, há muito que fazer. A questão da informação qualificada é fundamental neste processo. Em um artigo recentemente publicado, chamávamos à atenção para o fato de que a nanotecnologia - graças a um forte apelo mediático -, teve seu universo povoado por nanorobôs, nanomáquinas, nano-X, etc., aos quais são atribuídas as mais variadas funções (muitas delas altamente especulativas). Imaginemos esse tema colocado para o grande público, sem qualquer explicação prévia, clara, ponderada e, sobretudo, abalizada. A dificuldade de compreensão transforma tudo numa "grande interrogação" que, no limite, pode até mesmo levar ao medo. O que o público não sabe (porque geralmente nunca se diz) é que coisas que lhe estão muito próximas, que fazem parte do seu cotidiano, as quais, muitas, inclusive consome, são produtos que já se apropriaram desta tecnologia e que, certamente, nada têm a ver com as "criaturas" que muitas vezes ilustram capas de revistas e livros. Retomando um pouco mais a questão dos aspectos ambientais, reiteramos a necessidade de mais estudos sobre a questão das nanopartículas, sobre as quais vários organismos internacionais têm se manifestado. Como exemplo, recentemente, documento produzido pela Universidade de Cornell levantou alguns pontos relacionados com os aspectos ambientais, resíduos da agricultura e nanopartículas no meio ambiente. Segundo este documento, as nanopartículas naturais (vejam, naturais, não as "engenheiradas" pela nanotecnologia) no solo, água e ar precisam ser melhor entendidas, visando sobretudo o controle de suas características e propriedades, de modo que estas fontes naturais possam ser melhor utilizadas. A prática agrícola também cria e dispersa nanopartículas. A abundância ambiental de nanopartículas produzidas pela agricultura precisa ser entendida e seus efeitos mitigados, afirma o documento. Nesta linha o documento levanta alguns pontos importantes sobre a questão das nanopartículas no ar e no solo. Dos vários pontos colocados, destacamos um: entender o papel das nanopartículas (orgânicas e inorgânicas) no tocante ao transporte e à biodisponibilidade de nutrientes e poluentes. Acreditamos que só este aspecto já poderia se constituir numa extensa agenda de pesquisas. Fundepag - Em termos gerais, estamos preparados para a nanotecnologia? Oswaldo Luiz Alves - Acredito que sim. Temos um número importante de pesquisadores, em todos os estágios da carreira docente, atuando nos mais diferentes aspectos da nanotecnologia. As principais universidades do país estão com pesquisas importantes sendo realizadas e temos um parque industrial bastante competente. O destaque aqui fica para as atividades em nanobiotecnologia e materiais nanoestruturados (nanopartículas, nanocompósitos e nanotubos de carbono). Tais atividades acompanham a tendência mundial da área. Graças a recentes investimentos, já contamos com várias facilidades focalizadas para a Nanotecnologia, principalmente na região de Campinas, no interior do Estado de São Paulo. A relação entre o setor produtivo e a academia tem melhorado bastante nos últimos anos. É importante enfatizar que temos bons instrumentos para vencermos as dificuldades deste relacionamento. Uma melhor articulação passa pelo diálogo constante -entre as partes envolvidas. Muitas universidades brasileiras estão se aparelhando para exercer este papel no qual, não podemos esquecer, têm relevância as questões ligadas à propriedade intelectual e à cultura de patentes. Não obstante a Nanotecnologia ter sido colocada na Política Industrial como uma das tecnologias portadoras de futuro, observamos uma certa lentidão, por parte dos órgãos governamentais, nas tomadas de decisões e na vontade expressa de fazer com que ela ocupe o "status" que tem no documento de Política Industrial. Podemos, e sobretudo devemos, ser mais céleres. Outro aspecto que gostaríamos de enfatizar é que não podemos perder de vista que a Nanotecnologia pode também ser uma oportunidade singular para o desenvolvimento do País. A Nanotecnologia pode auxiliar na solução de problemas que afetam diretamente nossos cidadãos: remediação ambiental, purificação de água, remoção dos contaminantes, melhoria e fertilidade dos solos, construção de kits de diagnóstico para doenças infecciosas e endêmicas, novas formulações de medicamentos e veículos para sua liberação, novas formas de energia, entre outros. Não nos esqueçamos de que, em princípio, tudo pode ser mais factível quando já temos um círculo virtuoso formado, tal como é o caso do agronegócio brasileiro. Nota do Managing Editor: esta entrevista, realizada pela jornalista Maria Cláudia Aravecchia Klein (via Internet) serviu de base para matéria, com o mesmo título, produzida para revista Fundepag & Negócios, publicada pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa Agropecuária (www.fundepag.br), em janeiro de 2007. |
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