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ENTREVISTAS

Uma visão analítica do jornalismo científico


Divulgar ciência é tarefa que precisa de fortes e seguros alicerces. Que o diga o espanhol Manuel Calvo Hernando, presidente da Associação Espanhola de Jornalismo Científico, que lamenta as dificuldades, ainda hoje persistentes, que enfrentam os jornalistas que querem se especializar na área. Não que os títulos sejam condição "sine qua non" para o bom desempenho profissional, mas ele acredita que a inclusão da temática nos cursos ajudaria o jornalista a se familiarizar com o mundo da ciência, sob uma ótica muito própria.

Ele próprio não se gaba de seus títulos acadêmicos, livros publicados e cargos importantes que ocupou na América do Sul e em seu país natal. Mas ostenta com orgulho o que chama de verdadeiros títulos: seis filhos e 10 netos. "Esses são meus verdadeiros títulos". Talvez seja essa sensibilidade em valorizar a afetividade o diferencial que aponte para um jornalismo científico bem orientado. No caso de Hernando, sua bússola o orientou para uma carreira laureada de êxito. Há meio século, ele dissemina o que aprendeu com sua especialização em Ciências da Informação e a passagem por vários diários espanhóis e latino-americanos, sempre divulgando a ciência.

Ele também passou pela Associação de Imprensa de Madri e dirigiu por 25 anos o Instituto de Cooperação Iberoamericana. Referência, na Europa, quando o assunto é divulgação científica, Hernando concedeu essa entrevista ao Serviço de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, durante uma curta visita ao Brasil, recentemente.


C&T - Com sua experiência, o que o senhor entende como sendo o ponto nevrálgico da divulgação científica? O que é mais difícil nessa tarefa?

Hernando - O segredo de uma boa divulgação é equilibrar a verdade da ciência com a compreensão do público. Esse é o aspecto mais difícil, fazer com que o público te entenda, sem trair o pensamento científico. E aí está, na minha opinião, o maior problema da divulgação da ciência. Claro, tudo varia segundo as ciências. As ciências humanas, às vezes, são mais fáceis de entender. Ao passo que a matemática e a física são mais difíceis. E todas têm seus aspectos positivos e negativos, mas, na realidade, o grande desafio do divulgador científico ou do jornalista científico é estar em condições de harmonizar a ciência e a compreensão popular.

C&T - O jornalista científico deve ser especializado numa área ou continuar sendo um "generalista" como a maior parte o é hoje?

Hernando - Nos países anglo-saxões começa a haver o jornalismo científico especializado por áreas. Nós não podemos ainda aspirar a essa realidade. Até porque já é uma grande coisa que o jornalista saiba em que direção as coisas caminham. Não se deve exigir que ele conheça todas as ciências, até porque não há ninguém assim no mundo. Basta exigir-lhe uma especialização que permita distinguir quando uma notícia ou informação é realmente jornalística e importante. Tudo isso tem muitos aspectos concretos e muitos problemas. Os problemas do jornalismo científico, pois, podem ser do jornalismo em geral, da ciência ou dos dois aspectos. Em geral, a comunicação, hoje, tem avançado muito, mas sofre de um grave defeito que é confundir o interessante com o importante. E, entre a ciência e o jornalismo, há pontos de contato e pontos de não-contato. Entre os primeiros, estão os que se referem ao conhecimento, quer dizer, o pesquisador tem como obrigação descobrir fatos novos e o jornalista tem como obrigação colocar esses fatos à disposição do público. O que fazer sobre isso? Bom, é preciso resolver problemas de linguagem, de transcodificação. A relação entre pesquisadores e jornalistas tem que melhorar. Outros problemas são também, por parte da ciência, o crescimento acelerado do conhecimento, que hoje não permite que haja uma só pessoa no mundo que saiba de tudo. No Renascimento havia isso. Mas isso acabou. Por outro lado, o jornalista tem que se aproximar o máximo possível do conhecimento com o objetivo de entendê-lo e, assim, poder explicá-lo ao público.

C&T - A relação entre jornalistas e pesquisadores continua ruim?

Hernando - Já foi ruim, mas acredito que está melhorando cada vez mais. E isso por várias razões. Primeiro porque os pesquisadores estão percebendo que há jornalistas que se comportam adequadamente, que não dizem uma coisa no lugar de outra. E também porque o pesquisador precisa da imprensa, dos meios informativos em geral. Ele depende da mídia porque ela é meio para convencer os políticos a destinarem mais recursos para seus experimentos. Há outro elemento, que são os assessores de imprensa, que antes não havia, e hoje em todo lugar há um profissional da área onde se faz ciência. Acredito que tudo isso colabora para que haja uma melhor relação entre jornalistas e pesquisadores. Dito isso, não é que não haja problemas. O conceito de notícia varia muito dependendo do ponto de vista. Jornalistas pensam de uma forma e pesquisadores de outra. Eu, muitas vezes, ao longo da minha carreira, tive a seguinte resposta ao contatar um pesquisador para que me esclarecesse sobre algum assunto: "Ah, sim, com muito prazer, na próxima semana". Claro, eles (os pesquisadores) não entendem que temos pressa porque trabalham com prazos anuais. Para eles uma semana não é nada e para o jornalista esse prazo não serve. Mas isso também vai se resolvendo à medida que os jornalistas fazem visitas aos laboratórios para entender as dificuldades. Na Inglaterra e na Holanda, por exemplo, há alguns programas para que se faça o inverso, visitas de pesquisadores às redações para que entendam esses problemas que temos com a urgência, com a falta de informação, que são problemas que qualquer jornalista, e o jornalista científico em particular, tem no desempenho do seu ofício.

C&T - O fato de que jornais e canais de televisão são empresas que precisam vender, neste caso seu espaço para anúncio publicitário, compromete a cobertura jornalística?

Hernando - Dependendo da maneira como isso seja usado, claro que compromete. Está claro, se compreende, que a publicidade seja imprescindível para os meios de comunicação, mas o que não é admissível é que uma notícia deixe de ser publicada, ou outra seja propositadamente publicada, segundo os critérios da publicidade. Isso acontece, às vezes, embora acredite que tenha havido menos, porque os anunciantes entendem mais essas questões editoriais e da mesma forma jornalistas e pesquisadores.

C&T - A presença de jornalistas especializados nos canais de divulgação das universidades não ajudaria para acabar com o "analfabetismo científico" da população?

Hernando - Efetivamente. Uma das conclusões da 1ª Conferência Mundial de Jornalistas Científicos, celebrada em Tóquio, em 1992, insistia em que o maior problema do jornalismo científico eram as dificuldades de formação dos especialistas. Essas dificuldades continuam existindo, porque nas escolas e faculdades de jornalismo, em todo o mundo, com exceção da Inglaterra e dos Estados Unidos, geralmente o jornalismo científico é visto como uma vertente de jornalismo especializado. Então, o que acontece é que algumas vezes o oferecem como disciplina e outras não, porque depende de como está estruturado o programa, se há tempo disponível. Em todo caso, não é um problema impossível de se resolver. A Associação Espanhola de Jornalismo Científico, com ajuda do Ministério de Ciência e Tecnologia, neste ano, organizará pela segunda vez cursos de ciências para jornalistas e de jornalismo para pesquisadores. O objetivo é que o jornalista se familiarize com os grandes problemas da ciência e que os pesquisadores se dêem conta dos problemas pelos quais passa o informador na hora de informar. No entanto, volto a afirmar que as dificuldades se concentram principalmente no quesito formação.

Nota do Managing Editor: Entrevista com Manuel Calvo Hernando, Presidente da Associação Espanhola de Jornalismo Científico, ao jornalista Ubirajara Jr., veiculada na rubrica C&T, do site da Agência Brasil, acessado em 01.10.2002.

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