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ENTREVISTAS

Entrevista exclusiva ao LQES NEWS de Wilson de Figueiredo Jardim, Coordenador do Laboratório de Química Ambiental do Instituto de Química da Unicamp (IQ-Unicamp).



Créditos: JU/Unicamp






Wilson de Figueiredo Jardim licenciou-se em Química pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 1975, obteve seu Ph.D. em Ciências Ambientais (1983) pela Universidade de Liverpool (Inglaterra), tendo realizado seu pós-doutoramento no Centro de Estudos Ambientais da Universidade Drexel, na Filadélfia (EUA), em 1987. É Professor Titular do Instituto de Química da UNICAMP e coordenador do Laboratório de Química Ambiental (LQA). Sua pesquisa versa sobre tecnologias emergentes no abate de poluentes, bem como o estudo de novos contaminantes no ambiente. O Professor Jardim já orientou 47 mestres e doutores, publicou 120 artigos científicos, além de ser detentor de 4 patentes voltadas para a destruição de contaminantes presentes no ar, água, efluentes e solos. Recentemente recebeu o Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia.



LQES NEWS - Sendo um dos mais conceituados especialistas brasileiros ligados à questão ambiental, como o Senhor vê as políticas brasileiras para esta área?

WFJ - O Brasil é um país de contrastes, com paisagens distintas e com vocações regionais que demandam políticas específicas. Assumir esta realidade não implica na ausência de uma política global para os grandes temas atuais dentro da questão ambiental, mas simplesmente adequar ações de acordo com realidades distintas. Na minha opinião o Brasil não tem pensado a questão ambiental como um todo, nem tão pouco estrategicamente, negligenciando assim sua posição de destaque mundial quanto a inúmeros temas tais como emissão de gases de efeito estufa, preservação das florestas, combustíveis alternativos, estratégia quanto ao uso do estoque de águas subterrâneas, dentre outros tantos. O país carece de uma agência federal atuante não apenas no aspecto normativo, mas também no controle ambiental. Nossa realidade mostra um CONAMA tímido, atrasado e desarticulado na questão normativa, sendo que as agências estaduais raramente cumprem seu papel na fiscalização por falta de capacitação técnica e instrumental. Conflitos entre a questão ambiental e o crescimento econômico têm sido tratados como se fossem antagônicos, sem harmonização.

LQES NEWS - Os estudos ambientais, como toda ciência fortemente baseada na complexidade, passa por diferentes tipos de competências e expertises. A formação dos futuros profissionais acompanha esta tendência?

WFJ - Certamente! Lembro-me que quando a disciplina de química ambiental foi ministrada pela primeira vez em 1987 no IQ da UNICAMP, os alunos tinham muita relutância em aceitar o fato de que parte da disciplina abordava normas e legislação ambiental. Também não davam muita importância aos aspectos relacionados à avaliação de risco e epidemiologia. Hoje estes temas são discutidos com muito mais aceitação e entusiasmo. O mesmo se dá quando discutimos aspectos econômicos e sociais ligados à produção, consumo e rejeitos da indústria química. A visão holística da química dentro da nossa sociedade nos dias atuais é muito mais facilmente percebida do que quando eu fiz a minha graduação em química, no início dos anos 70.

LQES NEWS - Fala-se muito da questão dos recursos hídricos da Amazônia. Afinal, qual é a "saúde" dos rios desta região?

WFJ - A água é uma commodity nos dias atuais. O Brasil trata de modo distinto suas riquezas naturais, dando uma importância muito grande aos minérios e ao petróleo, enquanto que a biomassa e os recursos hídricos nunca mereceram a devida atenção. Basta olhar para o Proálcool, que embora tenha sido implementado na década de 70, quase desaparece na virada do século, para ser "redescoberto" recentemente pelo Presidente Bush, o que reforça nossa falta de visão estratégica. Ou seja, atrasamos 20 anos o programa de combustível alternativo por falta de uma política clara para o setor. O mesmo ocorre com nossos recursos hídricos. Falta a visão estratégica de gerenciar recursos. Temos que pensar na importância da água doce para um planeta com 9 ou 11 bilhões de pessoas, por exemplo, o que não deve demorar muito para acontecer. Como iremos gerenciar estes recursos? Como devemos explorar as águas subterrâneas do aquífero Guarani? Poderemos exportar água para a China? Será que os grandes petroleiros de hoje não serão transformados em navios transportadores de água dentro de 10 anos?

LQES NEWS - Recentemente, seu grupo de pesquisa estudou córregos muito comprometidos pela contaminação com resíduos de fármacos, hormônios, esteróides, etc. Ao que o Senhor atribui a presença de substâncias tão "especializadas" nas águas? Há uma maneira prática de evitarmos (os cidadãos e/ou as Prefeituras) estas contaminações?

WFJ - Vivemos, como já disse, num país de contrastes. Temos bolsões de consumo que muito se assemelham àqueles observados em países europeus. Na região de Campinas, por exemplo, consumimos como um francês, pagamos impostos como um sueco e temos o saneamento de um moçambicano. Nossos rios e córregos são esgoto a céu aberto. Se cruzarmos o padrão de consumo ao estado deplorável de tratamento de esgoto, temos que esperar que nossas águas superficiais (de onde Campinas tira 98% para distribuir para a população como água encanada) estejam seriamente contaminadas. E foi o que se constatou! Em Campinas, onde a concessionária de água capta uma água de péssima qualidade (que se assemelha a um efluente de estação de tratamento de esgoto), realiza um tratamento convencional (igual ao que se fazia no início do século passado), não se pode estranhar que inúmeros destes compostos sejam detectados na água distribuída para consumo humano. Como ainda não são legislados, ficamos no limbo! Mas certamente estes compostos não deveriam estar presentes nestas amostras, e sabemos muito pouco sobre a exposição crônica aos mesmos.Aí vem a clássica pergunta: e o que se pode fazer? Bem, a concessionária de água da sua cidade (seja ela a SABESP, a SANASA, o DAE, ou qualquer outra que tenha o contrato de concessão) deveria primeiro investir no tratamento de esgoto, opção a médio prazo para minimizar o problema. A curto prazo, estas concessionárias deveriam melhorar o tratamento, introduzindo tecnologias emergentes mais eficazes. Ao cidadão, que paga pelo serviço da concessionária, caberia exigir que estas medidas fossem tomadas o mais rápido possível.

LQES NEWS - Na seqüência da pergunta anterior: até que ponto o tratamento de águas realizado pelas empresas de saneamento básico (estaduais e municipais) precisa avançar para fazer face aos novos contaminantes das águas dos mananciais de captação?

WFJ - Existem inúmeros processos que têm se mostrado eficientes na remoção e destruição destes compostos, indo deste a osmose reversa até oxidação drástica usando ozônio ou outros oxidantes que geram OH radical. No entanto, é importante ter em mente que estas soluções seriam temporárias e remediativas. O principal é buscar a meta de 100% de esgoto tratado.

LQES NEWS - Há, atualmente, verdadeira "febre" com relação ao uso do álcool combustível proveniente da cana, dadas suas peculiaridades de preço, sustentabilidade, impacto ambiental, etc. Gostaríamos de saber sua opinião sobre os impactos ambientais e sociais da cadeia de produção deste combustível, antes de chegar ao posto de abastecimento.

WFJ - De fato, estamos vivenciando um novo modismo, no qual nosso país me parece que mergulhou de cabeça sem uma análise estratégica. A produção de qualquer biocombustível tem que ser analisada não apenas quanto a sua queima no motor e o quanto isso afeta o ciclo do carbono, mas em todo o seu ciclo produtivo. Seria justo chamar de sustentável um combustível que para a sua produção, todo ano mata mais de uma dezena de cortadores de cana por excesso de trabalho, pagando quantias irrisórias por tonelada de cana cortada? Sustentável para quem? Para o usineiro, certamente!! Numa análise mais pormenorizada, veremos que a cultura da cana é muito impactante, pois temos as emissões oriunda da queima da palha, as emissões de SO2 e NOx do adubo que foi incorporado ao solo, os aspectos sociais, trabalhistas, da substituição das culturas, etc. No caso do biodiesel, é importante analisarmos o quanto de carbono seria incorporado por hectare da nova cultura (soja, dendê, etc) frente ao estoque existente no terreno original, que bem pode ser uma mata nativa. E se a expansão da cultura energética se estender para a Amazônia? Além do mais, sabemos que jamais seremos capazes de substituir todo o diesel por biodiesel usando as tecnologias atuais. Ou seja, um assunto muito sério e muito pouco discutido internamente. O pior é que a comunidade internacional está muito mais interessada e ativa (e apta?) a discutir este assunto do que nós, brasileiros.

LQES - Que conselhos o Senhor daria a um jovem estudante de graduação que pretendesse dedicar-se, dando continuidade a seus estudos, aos aspectos químicos da problemática ambiental?

WFJ - Siga em frente! O tema é apaixonante, o horizonte é amplo e cada vez mais precisaremos de pesquisadores com interesse nas reações químicas que ocorrem na biosfera e suas conseqüências para o planeta e para o ser humano. A demanda é crescente, mas lembre-se de que o tema é multi e interdisciplinar. Gostar de química apenas não basta!!!

LQES - Muito obrigado e grande sucesso em suas pesquisas.


Nota do Managing Editor: entrevista feita pelo Professor Oswaldo Luiz Alves - Coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) e Editor Científico do LQES Website e do LQES NEWS -, em janeiro de 2008.


Nota do Scientific Editor: a presente entrevista foi decorrência do enorme impacto causado pelo notícia "Poluentes das águas cada vez mais preocupantes: os medicamentos !", publicada no LQES NEWS, número 140, de 16 de janeiro de 2008.


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