Laboratório de Química do Estado Sólido
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ENTREVISTAS

Dia Mundial do Câncer.


Dia 04 de fevereiro foi comemorado o Dia Mundial do Câncer. Visando matéria, que foi publicada no Jornal O Globo, em sua edição de 04 de fevereiro de 2019, o jornalista Raphael Kapa (RK) realizou, via internet, entrevista com o Prof. Oswaldo Luiz Alves (OLA), Coordenador Científico do Laboratório de Química do Estado Sólido da Unicamp, objetivando obter informações sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no LQES sobre o tema. Excerto desta entrevista foi publicado na matéria "Terapia genética, imunoterápicos e nanotecnologias são novos instrumentos no combate ao câncer". A entrevista completa é apresentada abaixo.



RK - O sr. participa de pesquisas com nanotecnologia para tratamento quimioterápico. Qual a importância deste tipo de tecnologia para o combate desta doença?

OLA - Sim, participamos deste grande esforço numa parte bem inicial  do processo, ou seja, a construção, através da nanotecnologia, de sistemas que possam carregar drogas anticancerígenas pelo corpo. Esta ideia faz parte das abordagens usadas para o tratamento do câncer, nas quais - contando com nanopartículas -  poderíamos chegar até os tumores e liberar neste ponto  os princípios ativos dos fármacos, com uma expectativa bastante alta de  um  aumento da eficácia do tratamento quimioterápico.  Entretanto, para que se chegue a estes resultados, várias etapas têm que ser superadas, dentre elas, uma particularmente importante: como contornar o fato de que muitos antitumorais potenciais são insolúveis. Para isto, desenvolvemos uma nanopartícula a base de sílica, a qual denominamos "nanopartícula antagônica". Tal denominação vem do fato de que se trata de uma nanopartícula mesoporosa, cujos poros são hidrofóbicos (não têm afinidade pela água) e que a superfície é hidrofílica (tem afinidade pela água). Quando colocamos, por exemplo, a camptotecina (potente antitumoral insolúvel em água), em contato com as nanopartículas de sílica, formamos uma suspensão que permite que a camptotecina possa entrar nas células tumorais  como se fosse "solúvel".  Este importante desenvolvimento animou, sobremaneira, os pesquisadores e alunos do LQES - Laboratório de Química do Estado Sólido, sobretudo após os testes de hemólise (in vitro), que mostraram que as nanopartículas obtidas não destruíram as hemácias do sangue em condições reais, quando imersas no plasma sanguíneo.  Tais resultados começaram  a apontar para as possibilidades de  uso, sob a forma venosa, deste e de outros sistemas similares.

RK - De que forma o uso da nanotecnologia pode ajudar os pacientes? Diminui os efeitos dos tratamentos tradicionais? Potencializa resultado?

OLA -  A estratégia colocada acima  poderia ajudar em testes e utilização de moléculas com conhecido potencial anticancerígeno, mas que apresentam limitações devido  sua insolubilidade em meios aquosos. Outro ponto que nos parece importante  é uma possível diminuição das doses, o que poderia ter um impacto significativo sobre os efeitos colaterais, ao se admitir que haverá liberação eficiente do anticancerígeno na proximidade dos tumores. Temos usado a seguinte forma, simples, para ilustrar  como as coisas se passam:  " é como se a nanopartícula de sílica fosse um carro que transporta, de modo mais eficiente o fármaco até a célula, sem que haja desperdício no percurso. Isso ocorre porque o nanocarro é solúvel no sangue e seu interior, onde o fármaco está contido, é hidrofóbico, permitindo a elevada retenção do quimioterápico. Dessa forma, é usada uma menor quantidade de fármaco porque a substância chega na quantidade adequada para o tratamento”.

RK - Em que estágio estão as pesquisas e o quão próxima elas estão do mercado? Existem usos semelhantes? E o custo?

OLA - Recentemente, fizemos um outro desenvolvimento - colocamos em parte da  nanopartícula o polímero polietilenoglicol,  que se assemelha  a "fios de cabelo" que ficam  presos à superfície  das nanopartículas.  Esta estratégia faz com as nanopartículas consigam  "enganar" as células brancas, responsáveis pela identificação dos corpos estranhos no sangue, o que, em princípio, aumenta a probabilidade de não serem detectadas e, como consequência, circulariam mais tempo no sangue podendo, assim, levar a uma otimização  dos tratamentos que fazem uso de quimioterápicos.

Não obstante os resultados promissores, todos realizados in vitro, ainda estamos longe do mercado.  Estamos iniciando a etapa dos estudos in vivo que faz uso de modelos animais. Tal etapa é fundamental para se chegar aos testes com humanos, mesmo porque existem muitos tipos de câncer! A superação das questões toxicológicas é que darão o passaporte para  a aplicação final no homem, determinando a formulação e as doses.

É neste momento que aparecem imensas dificuldades de outra ordem, as financeiras. Todo o processo  a partir dos estudos in vivo até se chegar aos testes em humanos são extremamente dispendiosos e não estamos vivendo no Brasil uma quadra favorável para o financiamento da pesquisa científica, muito pelo contrário, os orçamentos de nossas principais agências de financiamento estão sofrendo cortes de recurso sistemáticos. Parte da saída para que esta atividade continue avançando vai depender da participação de parceiros industriais. O desenvolvimento para obtenção destes sistemas e suas variações está protegido  por patenteamentos realizados pela Unicamp.

Sim, existem outras possibilidades de que o uso do sistema desenvolvido seja feito em aplicações diferentes da antitumoral, e estão sendo estudados no LQES. Neste momento, não temos como avaliar os custos do desenvolvimento, da bancada ao produto final, dado que isto depende do alvo terapêutico a ser alcançado. Na verdade foi desenvolvida uma ferramenta que faz parte do complexo processo de desenvolvimento de um medicamento oncológico.

RK - Como você vê as novas tecnologias no combate desta doença?

OLA - Efetivamente existem várias terapias que estão sendo estudadas para o combate dos diferentes tipos de câncer. Muitas estão próximas de se tornar parte do arsenal disponível e poderão mostrar sua eficácia para sistemas muito bem diagnosticados. Por falar em diagnóstico, as novas ferramentas ligadas à big data, machine learning e inteligência artificial certamente vão elevar os patamares do diagnóstico,  a um nível jamais imaginado, abrindo certamente oportunidades para o desenvolvimento de novas moléculas e terapias inovadoras, baseadas ou não em nanoestruturas. Vale ainda realçar, estudos que estão sendo realizados na direção das nanovacinas a base de antígenos tumorais, que estimulam o sistema imunológico a "montar" uma resposta imune. O objetivo, neste caso, é ajudar o próprio organismo a combater o câncer.


Informação Adicional: Participaram destes desenvolvimentos os Drs. Amauri Jardim de Paula, Diego Stéfani T. Martinez e o doutorando Leandro C. Fonseca, sob a coordenação do Prof. Oswaldo Luiz Alves.

LQES News. Posted: Fev 14, 2019.


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