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ENTREVISTAS

A ficção não existe mais, afirma o diretor do MIT.


Nicholas Negroponte nasceu nos Estados Unidos em 1943, filho de um casal grego (os pais moram atualmente nas redondezas de Atenas), o que faz com que ele passe praticamente metade do ano na Europa, não só na Grécia como também na França e Espanha, onde presta serviços de consultoria e faz palestras. Curiosamente, o mais respeitado nome do mundo, quando o assunto é tecnologia da informação, tem uma formação totalmente avessa à área - ele é arquiteto.



Em 1966, entrou para o Massachussets Institute of Technology (MIT), como instrutor. Em 1980, tornou-se professor de Tecnologias de Mídia e lançou o conceito de multimídia. Em 1985, junto com Jerome Wiesner, fundou o Media Lab, laboratório de ponta, especializado em investigar e desenvolver tecnologias da informação. O Media Lab do MIT é famoso no mundo inteiro, e tem entre seus clientes empresas como a Apple, Compaq, IBM, Microsoft, Sansung, Honda, Lego, Yamaha e outras. Negroponte é considerado o "guru da Era Digital" e conhecido por suas idéias polêmicas e inovadoras, bem como por seu estilo provocador e irreverente.

Negroponte concedeu esta entrevista ao Correio Popular, de Campinas, durante sua visita à cidade, no início de outubro de 2003. Na ocasião, foi palestrante no evento: "Gestão do Futuro", promovido pela People Marketing Empresarial na Usina Royal (em Campinas).


Correio Popular - Nós todos concordamos que é impossível pensar numa vida sem as facilidades e conexões que temos graças aos computadores e à Internet. Apesar disso, muitas pessoas no mundo ainda não têm acesso a essas facilidades. Como podemos dizer que elas são essenciais, e ao mesmo tempo admitirmos que elas não estejam disponíveis para todas as pessoas do planeta?

Negroponte - A tecnologia está ficando cada vez mais barata, mas um dos motivos pelo qual não é mais acessível é porque mais e mais as opções e características são acrescentadas aos computadores. Dessa forma, enquanto a tecnologia fica mais barata, tende-se a colocar mais dela em um computador pessoal. É como se, para cada melhoria que a Intel fizesse abaixando o preço de uma peça, a Microsoft colocasse mais peças da Intel em um PC. Então, o que ocorreu nos últimos 20 anos é que o preço ficou mais ou menos o mesmo, talvez até um pouco menor, mas não em proporção com os avanços tecnológicos. O que precisamos fazer é quebrar esta espiral. Parar de acrescentar todas as novas descobertas e fazer máquinas simples e de baixo custo. Hoje, seria possível construir um computador de baixo preço por cerca de US$ 20.

Correio Popular - E sobre a velocidade de desenvolvimento de novas tecnologias? O que nós podemos esperar nessa área nos próximos cinco ou dez anos? O que é efetivamente possível e o que é só ficção?

Negroponte - Nada é ficção. Até coisas que pensamos ser ficção nos dias de hoje acabam sendo perfeitamente possíveis amanhã. É fantástico, mas a ficção científica é uma das fontes que os cientistas usam para desenvolver novas idéias. Se você olhar hoje para o celular e as mudanças causadas pela tecnologia usada neles, por exemplo, é algo que ninguém imaginaria ou preveria há 15 anos. Nos próximos 15 anos o que mudará é o que eu chamo formato dos computadores. Nós os "comeremos", em forma de pílulas, que poderão "filmar" nossos corpos por dentro para obter análises médicas. Nós os colocaremos nos sapatos. Será um mundo de computadores "sem corpo".

Correio Popular - Um dos grandes desafios do mundo hoje é oferecer acesso a indivíduos e até a populações inteiras às facilidades das novas tecnologias. Nós sabemos que esta é uma das suas principais preocupações. O que o senhor e o MIT têm feito neste sentido?

Negroponte - De fato, temos isso sempre em mente. Uma das soluções - não a única - em que pensamos é um novo tipo de comunicação construída pelas pessoas comuns. É algo que chamamos de "comunicação viral", onde uma pessoa usa um sistema wireless (sem fio) de banda larga de baixo custo e cria serviços locais. No Vietnã, por exemplo, há uma vila com 500 pessoas que acessam a Internet a partir de um único terminal. Não é a condição ideal, mas pode ser uma ótima alternativa para uma comunidade menor, digamos de dez pessoas, só para começar. E isso irá crescendo, como a Internet. É a teoria que chamo de "Lírios D'água e o Sapo", porque esses serviços vão se espalhando como lírios d'água, rápida e enormemente, e as pessoas vão "pulando" de uma rede de baixo custo para outra.

Correio Popular - O senhor tem acesso privilegiado a novas pesquisas e novos produtos que utilizam novas tecnologias. O que o senhor tem visto de mais interessante nesta área nos últimos tempos?

Negroponte - Na semana passada, vi uma interface cerebral para computador; onde o micro é conectado diretamente no cérebro. Você pensa em virar para a direita e o computador capta suas ondas cerebrais e vira para a direita. Acho que isso tem um grande potencial, já que nós já usamos coisas como óculos e fones de ouvido, que tocam as nossas cabeças. Não é muito difícil imaginar que haverá uma grande família de computadores com interface cerebral nos próximos três ou quatro anos.

Correio Popular - O que o senhor poderia dizer sobre as pesquisas de tecnologia no Brasil? Há algum trabalho de destaque que o senhor conheça que estejamos desenvolvendo hoje? E quais conselhos o senhor nos daria sobre esse assunto?

Negroponte - Não tenho tanta familiaridade com o trabalho desenvolvido aqui para responder esta questão. Mas acho que o caminho para o Brasil firmar-se no mundo digital é o desenvolvimento de softwares criativos, tanto para entretenimento quanto para empresas, de todos os tipos. A Índia, por exemplo, desenvolve muitos softwares. As crianças lá, desde muito pequenas, "brincam" de matemática com os pais, assim como em outras culturas joga-se bola. Mas os softwares indianos, por melhores que sejam, não têm criatividade. No Brasil, ao contrário, há muita criatividade. Além disso, o povo latino tem um saudável desrespeito pelas regras. Mas por favor, não me entenda mal, não estou pregando o caos ou a anarquia. Estou apenas dizendo que "desrespeito" leva as pessoas a questionarem as coisas - e isso leva à criatividade. Recentemente estive em Singapura e lá a qualidade de vida é ótima, a renda per capita é maior que a da Inglaterra, não há lixo nas ruas, não há crimes, não há favelas, tudo graças a uma enorme dose de disciplina. Só que também não há criatividade. A coisa chegou a tal ponto que as autoridades estão estudando a criação de um bairro especial onde as pessoas possam ir simplesmente para relaxar, quebrar um pouco as regras, na esperança de que possam desta forma tornarem-se mais criativas.

Correio Popular - Falando sobre comunicações, o senhor acha que os jornais impressos tendem a desaparecer? As pessoas devem abandonar, em algum momento futuro, o hábito de ler as notícias impressas para fazê-lo exclusivamente em seus computadores ou outros equipamentos mais práticos e portáteis?

Negroponte - A palavra "jornal" é mais adequada que "newspaper", em inglês, para responder a esta pergunta. O papel (paper) vai desaparecer, mas a notícia (news) não. O papel não é o melhor meio para se levar notícias. Não se preocupem, vocês jornalistas terão trabalho para o resto da vida, e mais - será um trabalho cada vez mais interessante. Mas o papel definitivamente deixará de ser usado como meio de se transmitir notícias. Talvez ele seja trocado pelo papel eletrônico ou por outros meios que lembrem o papel, mas não será mais papel. Portanto, não é só a Internet que vai substituir o papel, mas outros tipos de materiais. O papel eletrônico, por exemplo, é um papel com, digamos assim, um computador aplicado sobre ele. Esse computador pode fazer downloads para aquele papel que então será ativado. Quando o que estiver "impresso" ali não interessar mais, o leitor faz um novo download sobre o mesmo "papel" e muda totalmente o conteúdo. Assim, será possível comprar um livro com papel eletrônico em branco e baixar uma obra nele. Quando a leitura acabar, é só substituir o texto por um outro. Em outras palavras, será possível ter uma biblioteca inteira em um único livro.

Correio Popular - E sobre a Internet? Como o senhor a vê no futuro? O que nós poderemos fazer através dela?

Negroponte - A Internet será muito diferente assim que os computadores começarem a entender o conteúdo automaticamente. Hoje nós usamos a procura por palavras-chave, mas em breve estaremos construindo computadores com "bom-senso" e até com um pouco de entendimento da rede, e então veremos uma rede totalmente nova. Algumas pessoas chamam isso de "Rede Semântica", e há outros nomes para isso, mas eu chamo de "computadores com bom-senso". Isso irá mudar totalmente a rede.

Correio Popular - Finalmente, esta última pergunta não é uma pergunta. Gostaria que o senhor fizesse algumas considerações livres, sobre o assunto que deseja abordar.

Negroponte - Então vou proferir um conselho. E é esse: acreditem e ouçam mais os seus jovens. Países que não escutam seus jovens não progridem. Os jovens quando não sabem que um problema é "impossível de resolver" desenvolvem soluções incríveis para ele. Isso não quer dizer que se deva desrespeitar os mais velhos, mas é preciso saber ouvir os mais jovens. Outra coisa: não tenha medo de falhar e nem censure uma pessoa se ela falhar. Você só vai aprender e desenvolver a criatividade se tiver a chance de tentar e se puder ter a liberdade de falhar. Acredito que nesse sentido o Brasil tem um enorme potencial, pois me parece um País capaz de ouvir os seus jovens. E seus jovens são imensamente criativos.

Nota do Managing Editor: Esta entrevista foi primeiramente veiculada no Jornal Correio Popular, de Campinas, SP, em 05 de outubro de 2003, página B-3, Caderno Economia. Os créditos são do jornalista Hélio Paschoal (helio@cpopular.com.br). A foto que figura nesta entrevista foi obtida em www.google.com.

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