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Patentes subprime.

Nos últimos vinte anos, mais particularmente a partir da década de 1990, o mundo assistiu a um espetacular aumento no número de depósitos de pedidos de patente, particularmente nos escritórios norte-americano, USPTO, europeu, EPO, e japonês, JPO. Segundo o mais recente relatório da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em 1995 o número de pedidos em todo o mundo foi de cerca de 1 milhão e, no ano seguinte, atingiu 1 milhão e 800 mil. No EPO foram depositados 200 mil pedidos em 2006, aumento de 150% em relação a 1995. No USPTO e no JPO os pedidos passam de 400 mil, anualmente.

O aumento no número de patentes, entretanto, não se traduziu num correspondente aumento no nível de novos produtos ou inovações chegando ao mercado, o que fragiliza a tão decantada correlação entre patentes e inovação. Mais ainda, o aumento se deu num período em que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico cresceram modestamente em todo o mundo.

Muitas interpretações vêm sendo dadas ao fenômeno, desde o aparecimento de novos atores, como universidades e microempresas ou países como China e Coréia, a emergência de novas áreas de conhecimento, como a tecnologia da informação e a biotecnologia, até o aumento da eficiência no uso dos recursos de pesquisa. Embora todos esses fatores possam ter alguma influência, a magnitude dos números de novos pedidos, associada à diminuição do ritmo de inovações chegando ao mercado, leva a crer que a explicação mais consistente parece ser aquela que aponta para o uso estratégico do sistema de patentes por um número elevado de atores, especialmente empresas.

De alguns anos para cá, patentes vêm sendo usadas não apenas para proteger uma invenção contra imitação por terceiros, mas para muitas outras finalidades estratégicas. Empresas vêm procurando obter patentes sobre múltiplos aspectos de uma mesma invenção - na área de química fina destacam-se os polimorfos, enantiômeros, etc. -, tendo em vista prorrogar o tempo de exclusividade de mercado. Vêm também obtendo patentes no entorno de sua invenção principal para obstar o lançamento de produtos similares por seus concorrentes.

Da mesma forma, vêm procurando formar portfólios de patentes com a finalidade de conseguir posição negociadora forte no mercado de licenciamento ou para conseguir levantar capital. Todos esses movimentos é que levaram à explosão no número de pedidos de patentes a que estamos assistindo. Além do número de pedidos, os pedidos em si vêm sofrendo uma mudança substancial, quer no aumento das reivindicações por pedido, quer na complexidade do objeto da proteção.

Uma das conseqüências perversas da atual situação é a queda acentuada da qualidade das patentes concedidas, fenômeno que está sendo seriamente analisado nos mais importantes escritórios de patentes do mundo. O aumento do número de pedidos, associado a sua maior abrangência e complexidade, colocaram esses escritórios sob intensa pressão. Mesmo com a ampliação dos quadros de examinadores, o estoque de pedidos por analisar cresceu substancialmente. No USPTO tal estoque está chegando à marca de 1 milhão de depósitos. Na maioria dos escritórios, os examinadores estão sendo pressionados a acelerar o exame. No EPO, se exige menos de 15 horas, em média, para o exame de pedidos cada vez mais complexos, o que levou a uma greve dos examinadores em meados de 2007 e a muitas outras manifestações, desde então.

A queda na qualidade da análise, seja em relação à novidade ou à atividade inventiva ou à aplicação industrial, tem resultado na concessão de uma enxurrada de patentes de duvidoso valor, afetando a credibilidade do sistema de patentes. Em lugar de incentivar as invenções, a atual situação vem causando diminuição no número de inovações, efeito exatamente oposto à finalidade para a qual o sistema foi instituído.

Além disso, a quantidade de patentes "fracas" vem provocando um significativo crescimento do número de litígios, introduzindo insegurança jurídica perversa, que afasta do mercado da inovação as pequenas empresas que não têm como fazer face aos elevados custos das demandas judiciais.

O regime de patentes está em crise, uma crise de qualidade nas patentes que estão sendo concedidas e que, se não for contida a tempo, pode levar o sistema ao descrédito, assim como aconteceu com as hipotecas norte-americanas.

Correio Braziliense.


Nota do Managing Editor: esta matéria foi primeiramente veiculada no Jornal Correio Braziliense, de 17 de agosto, 2009.


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