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ARTIGOS DE OPINIÃO

Conselho Nacional de Educação - CNE.


Pronunciamento do Prof. Oswaldo Luiz Alves
no Conselho Nacional de Educação



Seminário de Educação Superior e Inovação, Brasília, DF, 2012.


Que nossas primeiras palavras sejam de agradecimento ao Conselho Nacional de Educação, na pessoa do Conselheiro Prof. Paulo Barone, pelo convite para participar deste evento.

Para nós, reveste-se de relevância ímpar a possibilidade de, neste momento, podermos estar aqui, neste lócus privilegiado, compartilhando informações, experiências e alguns saberes, fruto de nosso envolvimento por muitos anos com questões relacionadas com a pesquisa científica, formação de recursos humanos, interação com o setor produtivo e, particularmente, com a inovação, em todas as suas etapas - desde as questões da propriedade intelectual até o licenciamento e absorção de tecnologia pelo mercado.

Hoje, está bem claro que a Inovação tem, como uma de suas características, cruzar as fronteiras da educação, das ciências humanas, das ciências exatas, das ciências da vida, das ciências sociais. Trata-se, enfim, de uma atividade pervasiva, que tem alimentado, direta ou indiretamente, praticamente o próprio desenvolvimento econômico e social das nações. Daí sua importância no contexto que vive nosso país, como muito bem salientou o Prof. Ronca, Presidente do Conselho, em sua mensagem na abertura deste evento.

Inovação é, certamente, um dos tópicos mais discutidos na comunidade de pesquisa, quer brasileira, quer internacional, e mesmo fora dela, nos governos, nas agências de financiamento, nas bancas de investimentos, para citar apenas estes, o que faz com que os avanços provenientes desta atividade venham "catalisando" a transformação de número altamente significativo das mais diferentes práticas e anunciando impactos sociais e econômicos de grande amplitude.

Nossa experiência tem mostrado que a questão da inovação é fortemente dependente de uma luta, mais precisamente de uma luta entre a mudança e a continuidade. A continuidade conhecemos bem, nos deixa na zona de conforto. Alguns autores enfatizam que "é universalmente admitido que uma organização (e aqui acrescento sistema) que não enfrenta a mudança, ou não vê necessidade de inovar, irá estagnar, entrar em decadência e finalmente morrer" (1).

Mas, vale lembrar que todas as inovações são, portanto, mudanças, mas nem todas as mudanças são inovações. E que a inovação é, muitas vezes, gradual, ou seja: é importante que se crie uma cultura de inovação, que tenha como base a inovação incremental, mas que pode evoluir para uma inovação radical (ou revolucionária). Neste caso, temos a disrupção, no que diz respeito aos processos industriais, tira o sono dos empresários, pois em alguns casos pode significar o fim dos seus negócios. Exemplos: máquina fotográfica que usa filme, máquina de escrever, etc.

Tomo a liberdade de, neste momento, colocar uma frase do Prêmio Nobel de Economia, Herbert Simon, que para nós faz todo o sentido:

"A inovação tem muito que ver com a capacidade de reconhecer fenômenos surpreendentes e incomuns."

As mentes precisam estar preparadas. É aí que entra a educação, a formação. Como prepará-las?

Vou me ater a alguns aspectos do Ensino Superior, dado que, como foi aqui colocado, as diferentes agendas que estão sendo tratadas neste evento são interpenetrantes, fazem parte de uma mesma trama, uma excepcional trama. Vou fazer um recorte para o segmento objeto de minha atuação profissional.

Uma questão que considero fundamental é o entendimento de que os efeitos que ocorrem no mundo são não-lineares. Muitas vezes, quando tratamos os problemas simplesmente como relações de causa e efeito, estamos trabalhando de forma altamente simplificada. A idéia de fragmentar e fragmentar, acreditando que, depois, juntando-se os pedaços, é possível entender o todo, não funciona para muitas coisas, trata-se de uma abordagem limitada. Os biólogos que o digam! Hoje sabemos que, muito mais importante do que conhecer o genoma, o que importa é conhecer o proteoma, pois este sim carrega as informações sobre as funções que nos dão a chance de entender as vias pelas quais ocorrem os fenômenos biológicos. Aqui se trata de aprender a estudar o todo e, não mais, simplesmente os componentes isolados, dado que as manifestações finais (como, por exemplo, as doenças, os fenômenos climáticos) são expressões de efeitos cooperativos e de sinergias.

Isto nos leva diretamente às questões da interdisciplinaridade, muldisciplinaridade e, até mesmo, da transdisciplinaridade, aspectos estes muito pouco contemplados, no ensino e na pesquisa de nosso sistema de ensino superior.

O que vou comentar não é absolutamente novo. Todo o professor realmente envolvido com pesquisa sabe que grande parte dos problemas que estão sendo postos como desafios em ciência e tecnologia tem, na raiz de suas soluções, a concorrência de vários conhecimentos, várias expertises, vários saberes. Acabamos nos dando conta de que a não-linearidade, como já dissemos, está muito mais presente nestes desafios do que jamais havíamos pensado e que as modernas plataformas de conhecimento, tais como as nanotecnologias, as neurociências, a biologia sintética, o meio-ambiente, as mudanças climáticas, a sustentabilidade, entre outras, são terrenos onde a complexidade faz morada, trazendo consigo a multiplicidade, a interação e a integração dos muitos componentes que as constituem.

É impossível imaginar que estes novos cenários não acabem por impactar a formação de nossos estudantes universitários, da pesquisa científica, e, até mesmo, a vida de nossas instituições. Grande parte das dificuldades de trabalhar estas idéias - segundo minha experiência enquanto professor e pesquisador em química, há quase 40 anos, de uma universidade pública -, passa pela rigidez departamental e pela própria maneira como estão organizados e institucionalizados o ensino e a pesquisa científica. Via de regra, são muito difíceis interações pró-ativas entre diferentes departamentos, na construção de programas conjuntos de ensino e pesquisa, nos quais se busque exercitar um sinergismo salutar, que permita construir um ambiente instigante, fértil, desafiador para o desenvolvimento de novos profissionais e pesquisadores, com uma visão mais abrangente da ciência e tecnologia, dos seus desdobramentos, de sua conexão com os desafios da contemporaneidade e do desenvolvimento nacional.

Várias iniciativas de governo, nos últimos anos, têm tentado, pelo menos em Ciência e Tecnologia, influenciar a mudança de cultura: Redes Temáticas de Pesquisa, Institutos do Milênio, INCTs, CEPIDs, entre outros.

Não raro, muitas vezes acreditamos que, pelo fato de trabalharmos em Redes Temáticas, compartilhando sobretudo facilidades laboratoriais e equipamentos, por si só chegaremos ao exercício das X-disciplinaridades, ou seja, inter, multi, trans. Em nossa opinião, atingir este objetivo passa por novas posturas e atitudes, dentre elas a prática da alteridade. A suposta hierarquia das áreas de conhecimento - a qual, há muito tempo, acreditamos, não fazer o menor sentido -, pertence ao passado, e certamente, não nos ajudará a vencer os enormes desafios do conhecimento, seja ele teórico ou experimental. A disciplinaridade foi importante para que as áreas científicas e tecnológicas ganhassem profundidade, robustez metodológica e conceitual, entretanto, hoje são, muitas vezes, incapazes de ajudar a formular as boas perguntas, perguntas estas capazes de gerar respostas relevantes, conhecimento novo que possa gerar um processo de inovação.

Ainda dentro da questão da hierarquia, pinço um exemplo que me parece lapidar. Ele vem das nanotecnologias. Em alguns ambientes travam-se discussões - por vezes acaloradas, porém insípidas -, sobre se um dado produto nanotecnológico foi concebido via conhecimentos da química, física ou engenharia. Para muitos, a questão da paternidade científica é elevada a um pilar da honra glorioso. Falso dilema! O que importa, na realidade, é se aquele produto funciona, se é seguro para os seus usuários, se pode ser descartado de forma segura. Pouco importa seu DNA científico. Muitas vezes, a falta desta compreensão coloca pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento em uma disputa que, no fundo, está mais ligada à construção e/ou consolidação de uma plataforma de prestígio que, em última análise, acaba por alimentar maiores possibilidades de financiamento, do que realmente a realização científica ou tecnológica consequente.

Talvez, o traço mais agudo desta situação venha dos concursos de contratação de docentes. As chances de concorrentes formados dentro de um cenário de inter, multi e trans disciplinaridade são muito pequenas. Primeiramente porque os concursos, em quase sua totalidade, não contemplam este tipo de formação, ou seja: são absoluta, rigorosa e impiedosamente disciplinares, muitas vezes até com elenco estrito de disciplinas. Isto não poderia ser diferente, sendo revelador que a práxis pouco tem a ver com o "grande discurso".

Certamente teríamos ainda outros pontos a ser levantados, entretanto, se houver tempo, gostaria de comentar apenas mais um ponto. Ele diz respeito à métrica usada para avaliar o desempenho do professor universitário que, no limite, acaba, no conjunto, tendo papel importante no ranqueamento das pós-graduações. O sistema acaba induzindo fortemente a que não se trabalhe com projetos de risco, os quais, muitas vezes, estão no limite do conhecimento, pois podem ser demorados, o que significa demora em sair os "papers". Tal situação atrasa a progressão da carreira, etc., etc.


Na verdade, a lógica que trouxe o país a este patamar de produção científica nos remete, hoje, a algumas questões, dentre elas: como continuarmos a aumentar a produção do conhecimento, em termos numéricos, sem que isto implique numa perda de qualidade, dando lugar a um processo no qual a razão primordial seja, única e exclusivamente, a geração de "papers". (2)

Em nosso país, sempre se acreditou, ou se acreditava, que professores com nível de pós-graduação - numa linha de consequência direta -, fariam com que os cursos de graduação se tornassem mais ricos, mais motivadores e que experimentassem uma melhora substancial. Os resultados, como se sabe, não é dos melhores. O ensino de graduação, há muito tempo, vem padecendo da falta de melhor qualidade, mesmo nas chamadas universidades de pesquisa. (2)

Realmente, no sistema universitário brasileiro deu-se valor exagerado à produção científica (mais quantitativa que qualitativa), o que vem trazendo reflexos negativos, mediatos e imediatos, sobre a formação dos estudantes em nível de graduação e, por incrível que possa parecer, começa também chegar à pós-graduação, caracterizando uma situação de duplo efeito, para aqueles que atravessam os dois níveis. (2)

As questões aqui colocadas, fique claro, não devem nos colocar como alguém contra a publicação científica e tecnológica de qualidade, de relevância, até mesmo de oportunidade, pelo contrário, nossa reflexão vai na direção de uma maior valorização da experiência, do conhecimento legítimo, da divulgação deste conhecimento, da docência, da extensão universitária, do relacionamento maduro e institucional com o setor produtivo. Aqui se entende setor produtivo como um dos braços da multidisciplinaridade. (2)

Temos muito trabalho pela frente! Diagnósticos são importantes, mas não removem os obstáculos nem resolvem os problemas. Discussões como estas são fundamentais para que encontremos novos caminhos para o Brasil, sobretudo neste momento único que vivenciamos e que, acreditamos, deva durar muito tempo. A urgência nos impele a sermos muito pró-ativos e nos coloca a tarefa de fazermos, em 15-20 anos, o que não fizemos em 500.

E, voltando ao tema deste evento, a propósito da inovação, termino com uma frase de Francis Bacon:

"Aquele que não experimenta novos remédios deve aceitar novos males: pois o tempo é o maior inovador."


Gratos pela atenção.


Notas:

(1) John Adair, "Liderança para a Inovação", Clio Editora, 2010.

(2) Algumas destas observações já foram objeto de comentários no artigo: "Para além dos Números", de autoria de O.L. Alves, publicado no LQES Website.


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