Laboratório de Química do Estado Sólido
 LQES NEWS  portfólio  em pauta | pontos de vista | vivência lqes | lqes cultural | lqes responde 
 o laboratório | projetos e pesquisa | bibliotecas lqes | publicações e teses | serviços técno-científicos | alunos e alumni 

LQES
lqes news
novidades de C&T&I e do LQES

2021

2020

2019

2018

2017

2016

2015

2014

2013

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

LQES News anteriores

em foco

hot temas

 
NOVIDADES

Cristais já podem ter seus defeitos "reparados" em nível atômico.

Em artigo recém-publicado na Nature Materials, uma equipe de pesquisadores, entre eles William T. M. Irvine, professor-assistente de Física na Universidade de Chicago, conseguiu criar um defeito na estrutura de um cristal de camada única, simplesmente inserindo no mesmo uma partícula extra, observando então como o cristal conseguia se "autocicatrizar".

Este efeito, que implica aplicações importantes para aumentar a condutividade na eletrônica e em outros campos da ciência dos materiais, foi previsto há seis anos pelo físico Mark Bowick, da Universidade de Syracuse (EUA), juntamente com David Nelson, Homin Shin e Alex Travesser, em uma pesquisa com apoio da NSF - National Science Foundation.

A fim de provar experimentalmente sua previsão, Bowick procurou Paul M. Chaikin, do Centro de Pesquisa para Matéria Mole, da Universidade de Nova York. Chaikin contou com a ajuda de Irvine, enquanto este era um pós-doutorando e trabalhava no laboratório de Chaikin.

Os três pesquisadores são especializados no ramo da ciência dos materiais, chamado "matéria mole", que estuda uma ampla gama de substâncias semissólidas como géis, espumas e cristais líquidos.


De matéria mole e molho de maionese

Bowick descreveu as microemulsões de matéria mole com as quais trabalhou, como sendo similares ao molho de maionese.

"A maionese é feita a partir de uma mistura de azeite e vinagre (que é essencialmente água)", explicou ele. "É necessário bater os ingredientes por um longo período de tempo, até que seja possível dispersar as minúsculas gotas de vinagre no azeite e que se obtenha, portanto, uma emulsão." Contudo, manter tantas gotículas misturadas uniformemente, por todo o óleo, requer a presença de um surfactante, estabilizador igualmente eficiente tanto no óleo quanto na água.

"No molho de maionese, o surfactante usado é obtido de partículas de semente de mostarda, que se arranjam na interface entre o óleo e a água," comentou Bowick. "As partículas de semente de mostarda se acumulam na superfície das gotículas de água."

Para estudar cristais curvos, os pesquisadores imitaram o molho maionese pela adição de partículas microscópicas de acrílico a uma emulsão de gotículas de glicerol, misturadas em uma base de óleo.

Assim como as sementes de mostarda, as partículas de acrílico naturalmente se acumulam na superfície de cada gota de glicerol. Dependendo da experiência, algo entre 100 e 10.000 partículas revestem cada gotícula.

A carga positiva das partículas repelem-nas entre si, levando-as a se organizarem naturalmente em um padrão parecido com um favo de mel, com cada partícula igualmente distante de seis outras.


Cristais com "rugas"

O padrão regular de seis lados não se encaixa perfeitamente ao redor das gotículas esféricas, assim como uma bola de futebol não teria uma cobertura perfeita por um pedaço reto de papel. Do mesmo modo que há rugas no papel quando este molda a superfície de uma bola, o padrão curvo do cristal gera 12 defeitos, ou rugas, uniformemente espaçados ao redor da esfera.

O número e a localização dessas rugas é uma propriedade estrutural fundamental prescrita pela geometria da esfera. Um padrão similar pode ser visto na capa de couro de uma bola de futebol, que requer 12 pentágonos (defeitos) espaçados uniformemente dentro de um padrão de hexágonos.

Bowick era membro da equipe que descobriu originalmente a propriedade das 12 rugas de um cristal curvo, em 2003. Após isso, se perguntou sobre o que poderia acontecer se adicionasse uma partícula extra, chamada intersticial, bem no meio do cristal.

"Mesmo que as partículas estejam organizadas no padrão de um cristal, ainda estão livres para se mover na estrutura, relativamente àquela posição", comentou Bowick. "Era de se esperar que uma partícula adicional apenas empurrasse as outras ligeiramente e se estabelecesse no lugar, assim como ocorre em uma superfície plana."

O resultado seria um padrão defeituoso, contendo formas de sete e cinco lados, além dos hexágonos regulares. Entretanto, o que Bowick e seus colegas previram, usando modelos computacionais, foi que, em uma superfície curva, a adição de uma partícula extra, em uma posição igualmente distante de duas rugas, criaria um padrão de defeito que se divide em duas partes.

Eles calcularam que a pressão na estrutura cristalina, causada por esses dois defeitos, iria "fluir" daquele lugar, como ondas em um lago, de modo que as partículas reajustassem suas distâncias entre si. Eventualmente os defeitos migrariam para a ruga oposta, onde desapareceriam.

Surpreendentemente, os cientistas previram que a massa da partícula original permaneceria perto de onde ela foi colocada, e grandes áreas do padrão hexagonal teriam girado ligeiramente - em torno de 30 graus. Mas o defeito original teria desaparecido.

Todavia, para provar este notável resultado experimental, um instrumento especial é requerido.


Fazendo funcionar

"William Irvine tinha já começado em meu laboratório seus belos experimentos com cristais coloidais em superfícies curvas," lembrou Chaikin, da NYU (New York University). "O presente estudo veio de uma conversa que Mark Bowick e eu tivemos em um avião, enquanto voltávamos de um encontro há alguns anos. O experimento do Mark foi uma extensão natural do trabalho do William."

"Para esse projeto, tivemos que descobrir como adicionar a partícula no cristal curvo, enquanto se obtinha a imagem das partículas, à medida que mudavam de posição no espaço tridimensional," explicou Irvine, que agora está no Instituto James Franck, da Universidade de Chicago. "Isso torna o experimento consideravelmente mais complicado."

Irvine planejou usar pinças ópticas para "agarrar" uma partícula microscópica da emulsão circundante e colocá-la sobre a superfície de uma gota utilizando a pressão da radiação de um feixe de laser focalizado.

"Na maioria dos experimentos, você vem com as "pinças" de laser, usando as mesmas lentes utilizadas para fazer a imagem das partículas, e isso é ótimo, porque você quer focar o feixe no mesmo plano que você está observando," afirmou Irvine.

Mas para esse experimento, a pinça de laser e o microscópio tiveram que ser separados.

"Um microscópio confocal seleciona uma fatia muito fina do objeto a ser feita a imagem, de modo que apenas esta é focalizada e todo o resto da imagem (antes e depois dessa fatia) está fora de foco, como na foto de uma pessoa com o rosto focado e o plano de fundo borrado," explicou ele. "A fim de criar uma imagem tridimensional, você move a objetiva para cima e para baixo, de modo a focalizar as diferentes fatias, uma de cada vez."

Contudo, mover a lente também desloca o feixe de laser que prende a partícula.

"A fim de prender uma partícula e observar o que acontece à medida que você gradualmente a leva para a superfície da gota, é necessário essencialmente construir um segundo microscópio em cima do primeiro," informou Irvine. "Tecnicamente, isso não é trivial - é necessário ter muitas coisas trabalhando simultaneamente."

Entretanto uma vez que Irvine projetou e construiu o instrumento, a equipe testou as predições de Bowick e criou imagens reais de vídeos mostrando os defeitos se movimentando pela superfície do cristal e desaparecendo nas cicatrizes.



Esferas coloidais (pontos brilhantes) que se juntaram numa gota de líquido, para formar uma estrutura tridimensional cristalina curva.

Créditos: Universidade de Chicago.


"Autorreparo" ou autocicatrização do grafeno

"O estudo de cristais em superfícies curvas é interessante e importante para sistemas que vão desde cúpulas geodésicas, vírus e até fulerenos", afirmou Chaikin, referindo-se a moléculas simétricas de carbono. "A estrutura de defeitos e a "cura" desses defeitos são particularmente importantes na condutividade, no calor e nas propriedades mecânicas de nanotubos de carbono, grafeno e materiais similares."

O grafeno, uma folha bidimensional de moléculas de carbono, é um material muito forte e bom condutor de eletricidade.

"Sempre haverá defeitos que diminuirão a condutividade do grafeno," comentou Bowick. "Para dispositivos eletrônicos, deseja-se um grafeno de alta condutividade e tão puro quanto possível."

E é aí que a descoberta dos pesquisadores poderia ser uma solução ideal. "Você poderia ser capaz de simplesmente flexionar um pedaço de grafeno, remover os defeitos, e aumentar a sua condutividade," afirmou Bowick.


Veja o vídeo.

Universidade de Chicago (Tradução - AGS.).


Nota do Scientific Editor - O trabalho "Fractionalization of interstitials in curved colloidal crystals", que deu origem a esta notícia, é de autoria de William T. M. Irvine, Mark J. Bowick e Paul M. Chaikin, tendo sido publicado na revista Nature Materials, volume 11, número 11, pp. 948-51 (2012), DOI: 10.1038/nmat3429.


<< voltar para novidades

 © 2001-2020 LQES - lqes@iqm.unicamp.br sobre o lqes | políticas | link o lqes | divulgação | fale conosco