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NOVIDADES
O volume 525 da revista Nature, de setembro de 2015, traz uma reportagem especial sobre a interdisciplinaridade, que a aponta como uma tendência crescente no modo de produzir e fazer circular conhecimento no mundo todo. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de países que mostraram maior interdisciplinaridade, com 11% dos artigos de autores de diferentes áreas publicados em 2013. O estudo foi realizado pela editora Elsevier. Essa posição indica a participação do Brasil no esforço atual de reunir profissionais de diferentes áreas em torno de projetos conjuntos e de intervir através destes na formação de recursos humanos em diferentes níveis de especialização, principalmente de pós-graduação. A Unicamp tem uma experiência pioneira nesse sentido, pela criação de estruturas especializadas em pesquisa interdisciplinar já a partir de finais dos anos 1970. Também a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) pôs a interdisciplinaridade em foco, ao instituí-la como um dos principais desafios da universidade atualmente. É o que lemos no relatório da Conferência Mundial sobre Educação Superior: As Novas Dinâmicas da Educação Superior e da Pesquisa para a Mudança e Desenvolvimento Social, de 2009. Dentre os principais deveres das instituições de ensino superior, face a sua responsabilidade social, está “aumentar seu foco interdisciplinar”. O relatório insta os Estados membros da Organização a desenvolverem “políticas e estratégias nos níveis sistêmicos e institucionais” para favorecer a criação de “sistemas de pesquisa mais flexíveis e organizados que promovam a excelência acadêmica, a interdisciplinaridade e sirvam à sociedade”. A interdisciplinaridade não é um conceito de fácil definição. Créditos: 123RF
Dois pontos comuns, entretanto, podem ser identificados nesse gesto de fazer pontes entre disciplinas. De um lado, o valor heurístico do confronto entre objetos e métodos distintos: ele permite realizar novas descobertas e formular novas questões que retroalimentam a produção do conhecimento, inclusive no interior das próprias disciplinas, que expandem seus horizontes e saem fortalecidas desse diálogo. De outro lado, seu impacto social. A abordagem de alguns dos grandes temas da ciência que afetam a sociedade de maneira mais imediata demanda as ferramentas de diferentes especialidades. Em 2014, o relatório do Research Excellence Framework (REF), instituição que avalia as pesquisas e direciona os financiamentos no Reino Unido, apresenta um dado importante: 80% das pesquisas avaliadas no período 2008-2013 que tiveram impacto social significativo fora da academia foram interdisciplinares. Apesar dessa tendência, as pesquisas que trabalham nas fronteiras entre as disciplinas trazem diversas dificuldades de execução, financiamento, avaliação e publicação. Parte delas decorre de divergências entre o que poderíamos chamar de hábitos ou culturas científicas (acadêmicas). Os modos de formulação das pesquisas, os tempos e os mecanismos de divulgação não são os mesmos conforme as disciplinas. Por exemplo, nas áreas biofísicas assistimos à publicação de um fluxo regular de artigos em periódicos, com resultados parciais das pesquisas, enquanto que nas áreas de humanidades as pesquisas têm frequentemente outros ritmos e não raro culminam na publicação de um livro. O reconhecimento mútuo das normas, teorias e abordagens é um grande desafio para o trabalho conjunto. Há também dificuldades de ordem institucional. Para os especialistas, a estrutura dos departamentos e dos colleges tradicionais nem sempre facilita a condução de um trabalho cooperativo dessa natureza. Isso faz sentido quando pensamos que a estrutura da universidade moderna surge calcada nas fronteiras disciplinares desenhadas a partir do século XIX, como também nos lembra Larivière. O desenvolvimento da interdisciplinaridade trouxe por isso consigo a necessidade de idealizar novas estruturas, mais flexíveis e dinâmicas, que favorecessem a articulação de problemáticas, especialistas e instituições, aponta a Nature. Para Harvey Graff, autor de Undisciplining Knowledge (Johns Hopkings University Press, 2015), pensar na “organização social e física da pesquisa” é fundamental. “As universidades que eu vejo como bem-sucedidas”, afirma Graff em entrevista à Nature, “tendem a usar o modelo de ‘centros’ ou ‘institutos’ transversais”, que permite, para o autor, focar em problemas específicos e melhorar a qualidade da comunicação. Esse novo modelo espalhou-se pelo mundo afora, a partir dos anos 1990, em países dos distintos continentes: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Japão, China, Índia, Singapura, Austrália, entre outros. Uma das experiências relatadas é a da Universidade de Durham, no Reino Unido, que criou estruturas desse tipo para “fazer a pequena universidade brilhar no cenário internacional”. A universidade, hoje entre as 100 melhores do mundo, tem centros interdisciplinares sobre temas que vão da resiliência ecológica e psicológica à história da ciência medieval. Também a Fundação Nacional de Ciências Naturais da China (NSFC) criou um plano que levou as universidades a lançarem diversos centros transversais na última década e planeja lançar mais projetos como esse nos próximos anos, como indica o vice-diretor geral do Escritório de Política Científica da fundação, Yonghe Zheng. A Unicamp tem experiências mais antigas, com a implantação, a partir de 1977, de um sistema de Centros e Núcleos especializados em pesquisa interdisciplinar, que foram, ao que parece, os primeiros desse tipo criados em universidades brasileiras. Os projetos dos atuais 21 Centros e Núcleos se desenvolvem nas fronteiras de todas as grandes áreas do conhecimento, em torno de temas transversais, tais como lógica, pensamento e história, população e ambiente, geoprocessamento, sistemas e modelos biológicos, fitoquímica, educação e informática, saber urbano e linguagem, neurociências, medicina nuclear, climatologia, planejamento energético, divulgação científica. Os projetos articulam pesquisadores de carreira dos quadros dos Centros e Núcleos com docentes e pesquisadores de Departamentos, Institutos e Faculdades da Unicamp e de outras instituições externas, nacionais e internacionais, públicas e privadas, bem como da sociedade civil. A produção de pesquisa interdisciplinar de ponta em estreita relação com a sociedade é o duplo objetivo desses Centros e Núcleos. A Unicamp foi nisso pioneira no cenário nacional, antecipando inclusive um modelo que, como vimos, iria impor-se posteriormente no mundo todo. Vale observar que tais estruturas materializam uma ideia de integração entre disciplinas e de relação com a sociedade que embasou o projeto de fundação da Universidade. No discurso de lançamento da pedra fundamental, em 5 de outubro de 1966, dizia seu primeiro reitor, Zeferino Vaz: “o impacto de conhecimentos científicos conquistados pela inteligência humana no último quarto de século rompe as barreiras artificiais entre as ciências básicas [...]. Em consequência, a Cidade Universitária de Campinas haverá de refletir arquitetonicamente a realidade científica integradora contemporânea.” (AC/SIARQ). Em entrevista um pouco posterior, em 1968, Zeferino completava: “esta Universidade, desde que foi implantada, teve como uma de suas preocupações fundamentais, além da transmissão de conhecimento [...] [e] da promoção do conhecimento novo, pela investigação científica, tecnológica, literária, artística, filosófica, uma terceira tarefa, olvidada pelas Universidades, que é a de buscar detectar e equacionar problemas da comunidade.” (AC/SIARQ) Às vésperas de seu 50º aniversário, diversos frutos desse projeto asseguram à Unicamp um lugar entre as universidades de vanguarda. Jurandir Zullo Jr., matemático e engenheiro agrícola, é pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Carolina Rodríguez-Alcalá, linguista, é pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb/Nudecri) da Unicamp. Simone P. Figueiredo, jornalista especializada em Política Científica e Tecnológica, é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Nudecri) da Unicamp. Jornal da Unicamp. |
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