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Palácio do Planalto sanciona lei que libera a pílula do câncer.

Contrariando as recomendações da comunidade científica, o Palácio do Planalto sancionou a Lei nº 13.269 que libera o uso da fosfoetanolamina sintética – conhecida popularmente como pílula do câncer – para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. A decisão presidencial, publicada hoje, 14, no Diário Oficial da União foi confirmada, mesmo sem a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sem a comprovação sobre a eficácia da substância como medicamento.



Cápsula de fosfoetanolamina sintética

Créditos: IQSC

Com a decisão, as pessoas estão autorizadas a usar legalmente a fosfoetanolamina, embora não exista o produto disponível no mercado. O secretário da pasta de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o químico Jailson Bittencourt de Andrade, disse que a decisão presidencial decorre da tramitação acelerada do Projeto de Lei nº 4639, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, e que chegou ao Palácio do Planalto com prazo, em geral, “exíguo para sanção presidencial”. Ele comparou a questão a um “xeque-mate de cavalo”.

“No xadrez, o xeque de cavalo não tem condições de contorno. São duas opções, ou se muda o meio de posição ou se mata o cavalo. No caso do Projeto de Lei, ou teríamos de vetar, mesmo com todos os custos políticos, a meu ver, ou sancioná-lo, depois de várias consultas”, disse ao Jornal da Ciência.

O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Hernan Chaimovich, não quis entrar no mérito da decisão presidencial de liberar a fosfoetanolamina. Afirmou, porém, que os laboratórios apoiados pelo MCTI, para fazer os testes clínicos sobre a substância, mostraram claramente que os resultados preliminares ainda não recomendam a liberação da substância como medicamento. O CNPq é o responsável pelo repasse de verba para os estudos que até agora consumiram R$ 2 milhões, segundo Chaimovich.

O presidente do CNPq acrescentou não ter “mandato” para recomendar ou não a liberação da fosfoetanolamina. “Estou afirmando que o Ministério fez o que tinha de fazer. Isto é, o MCTI é quem tem a responsabilidade de responder rápido perante uma comoção social causada por uma pergunta científica, e a resposta preliminar está dada”, disse.

Chaimovich lembrou que no ano passado o Ministério convidou um grupo de cientistas, especializados em síntese de compostos em estudos pré-clínicos e clínicos, para analisar um problema que estava causando uma “comoção social”. “Os estudos foram realizados por laboratórios acima de qualquer suspeita profissional ou científica, que emitiram um parecer, e o CNPq, como agência de fomento, só pode aceitar os resultados que vêm de projetos avaliados e de resultados de laboratórios de cientistas dessa natureza”, complementou.


Trabalho da Anvisa precisa ser levado em consideração

A comunidade científica se mobiliza contrária à liberação da fosfoetanolamina sem a realização dos estudos clínicos para comprovar a eficácia da substância como medicamento. Em carta publicada no dia 23 de março, um dia após a aprovação do PL pelo Senado Federal, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a biomédica Helena B. Nader, afirmou que a pesquisa clínica é um estudo sistemático que segue métodos científicos aplicáveis aos seres humanos. “A finalidade desse processo é a obtenção e manutenção de registro com as autoridades regulatórias para comercialização do medicamento”, declarou.

Segundo o documento, a Anvisa tem o respeito de toda a comunidade médica, farmacêutica e científica do País, e a certificação por ela conferida a determinado medicamento é necessária e imprescindível. “A Anvisa não pode ser dispensada, ou mesmo desacreditada, nesse processo que custou muito a ser consolidado no Brasil”, complementou.


Liberação legal do produto que ainda não existe

A partir de hoje, as pessoas estão legalmente autorizadas a usar a fosfoetanolamina. O problema é que o produto não está disponível no mercado, segundo o secretário do MCTI, Jailson Bittencourt de Andrade. “Até onde sei, não existe o produto à disposição. Com o fechamento da produção da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, que, obviamente, não é o lugar adequado para produzir fármacos, não há produção formal e legal, pelo menos no nosso conhecimento”, disse.

Segundo o secretário do MCTI, a produção da fosfoetanolamina deve demorar, porque, primeiro, é preciso produzir a molécula, para depois transformá-la em medicamento. “E mesmo que o Brasil decida importar essa molécula, teremos que garantir o que o rótulo diz que é, e ver as condições de utilizá-las como medicamento”, acrescentou.

Como não existe o produto disponível de forma legal e formal, o secretário do MCTI teme a fortificação de um mercado negro. Ou seja, que as pessoas passem a comercializar qualquer “pó branco dentro de cápsulas brancas e azuis” dizendo que é fosfoetanolamina.


Produção em escala

Segundo o secretário, já havia alguns estudos e consultas com laboratórios para se preparar para que, no caso de um eventual sucesso das pesquisas clínicas, mostrando que a substância é segura e eficaz no combate ao câncer, começarem a incentivar estudos de escalonamento da produção. “Agora se acelera a busca pela produção, mas existem alguns ‘senões’ pelo meio do caminho. Por exemplo, empresas que pretendam produzir isso e que tenham visão de longo prazo correm o risco de, ao passo que investem na engenharia para a produção, pode-se chegar à conclusão de que a molécula não é adequada para a produção de fármacos. Quem assumir o risco neste momento de investir na produção pode sair na frente, mas em caso de insucesso, vai ficar no meio do caminho”, alertou.


Ritmo das pesquisas

Para Andrade, a sanção da liberação da substância não vai interferir no ritmo do processo de pesquisas científicas. “Nosso ritmo vai continuar, porque já estamos trabalhando em ritmo acelerado, em relação aos testes pré-clínicos e clínicos. Não há como acelerar mais o processo, porque o tempo é uma das variáveis desses estudos”, disse.

Ele lembrou que já foram obtidos os primeiros resultados de caracterização do material que era oferecido pela USP de São Carlos. “Já fizemos estudos de rotas para preparação da fosfoetanolamina em escala de laboratório e já fizemos a primeira bateria de testes. A expectativa é de que ainda em abril teremos acesso à segunda sequência dos testes pré-clínicos”.

Já o presidente do CNPq preferiu não se estender sobre a evolução das pesquisas sobre a fosfoetanolamina para a fase clínica. “Não tenho dados para afirmar isso neste momento. Lembro, porém, que tanto na Europa como nos EUA esse composto é usado como suplemento alimentar, recomendado para aumentar a absorção de cálcio”, destacou.


Nota do Manager Editor: Esta matéria assinada por Viaviane Monteiro foi primeiramente veiculada no Jornal da Ciência, em 14 de abril de 2016. A ilustração não consta da matéria original e foi introduzida pela Editoria do Boletim.


Assuntos Conexos:
MCTI quer garantir a patente da fosfoetanolamina como suplemento alimentar.


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