Laboratório de Química do Estado Sólido
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BIBLIOTECA LQES DE QUÍMICA SUPRAMOLECULAR

Jean-Marie Lehn - Uma Autobiografia

Nasci aos 30 de setembro de 1939, em Rosheim, pequena cidade medieval da Alsácia, na França. Meu pai, Pierre Lehn, então padeiro, interessava-se bastante por música. Tocava piano e órgão, tanto que, mais tarde, deixou a padaria, vindo a tornar-se o organista da cidade. Minha mãe, Marie, passou a tomar conta também do negócio. Sendo eu o primogênito de quatro irmãos, com um deles passei a ajudar na padaria.

Cresci em Rosheim, durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Terminada a Guerra, freqüentei a escola primária tendo, aos 11 anos, ingressado na escola secundária, no Colégio Freppel, localizado em Obernai, pequena cidade, cerca de 5 quilômetros de Rosheim. Durante esses anos, comecei a tocar piano e órgão e, com o tempo, depois da ciência, a música veio a se tornar meu maior centro de interesse. Meus estudos secundários (1950-1957) foram clássicos. Estudei latim, grego, alemão, inglês, literatura francesa e, durante o último ano, filosofia, com a qual estive sobremodo envolvido. Não obstante, interessei-me também pelas ciências - especialmente pela Química. Assim, obtive o bacharelado em Filosofia, em julho de 1957 e, em Ciências Experimentais, em setembro desse mesmo ano.

Pensava estudar filosofia na Universidade de Estrasburgo mas, estando ainda indeciso, comecei no primeiro ano com cursos de física, química e ciências naturais (SPCN). Durante esse ano (1957-1958), impressionei-me pela estrutura coerente e rigorosa da química orgânica. Fui particularmente receptivo ao poder experimental da química orgânica, a qual tornava possível converter complicadas substâncias em uma outra, seguindo regras e rotas bem definidas. Comprei compostos e vidraria e comecei a realizar, na casa de meus pais, experimentos práticos de laboratório. Estava lançada a semente! Assim, no ano seguinte, fiz leituras estimulantes, indicadas por Guy Ourisson, um jovem professor, tornando-se claro para mim que desejava fazer pesquisa em química orgânica.

Após obter o grau de Licenciado em Ciências (Bacharel), entrei para o laboratório de Ourisson, em outubro de 1960, como membro júnior do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), com o objetivo de trabalhar para a obtenção do grau de Ph.D. Foi esse o primeiro estágio decisivo de meu treinamento. Meu trabalho estava relacionado com as propriedades conformacionais e físico-químicas de triterpenos. Encarregado de nosso primeiro espectrômetro NMR, fui levado a penetrar mais profundamente nos segredos desse poderosíssimo método físico. Isso teria muita importância em meus estudos futuros! Meu primeiro trabalho científico, em 1961, reportou uma regra adicional para os deslocamentos dos sinais de prótons induzidos por substituinte em derivados esteroidais.

Tendo obtido meu grau de Doutor em Ciências (Ph.D) em junho de 1963, passei um ano no laboratório de Robert Burns Woodward, na Universidade de Harvard, onde tomei parte do grande empreendimento da síntese total da Vitamina B12. Foi o segundo estágio decisivo de minha vida de pesquisador. Acompanhei um curso de mecânica quântica e realizei meu primeiro cálculo com Roald Hoffmann. Tive a chance de presenciar, em 1964, os estágios iniciais daquelas que viriam a ser as regras de Woodward-Hoffmann.

Voltando a Estrasburgo, comecei a trabalhar na área de físico-química orgânica, onde pude combinar os conhecimentos adquiridos em química orgânica, em teoria quântica e em métodos físicos. Ficou claro que, a fim de aperfeiçoar a análise das propriedades das moléculas, um recurso poderoso foi sintetizar compostos que poderiam ser especialmente apropriados para revelar uma dada propriedade e suas relações com a estrutura. Essa orientação caracterizou os anos 1965-1970 de minhas atividades e de meu "jovem" laboratório, recentemente estabelecido após minha nomeação (1966) como mestre de conferências (professor assistente) do Departamento de Química da Universidade de Estrasburgo. Nossos principais tópicos de pesquisa estavam relacionados com estudos NMR de velocidade de processos conformacionais, inversão de nitrogênio, relaxação quadrupolar, movimentos moleculares e estrutura líquida, assim como, ab initio, barreiras de inversão, cálculos de química quântica de estruturas eletrônicas e, mais tarde, de efeitos estereoeletrônicos.

Enquanto dava continuidade a tais projetos, crescia meu interesse pelos processos que ocorrem no sistema nervoso. Os cursos dos primeiros anos de biologia, bem como minha inclinação inicial para a filosofia, levaram-me a querer saber como a química poderia contribuir para seu estudo. O fenômeno elétrico nas células nervosas depende da distribuição de íons sódio e potássio através das membranas. Uma possível entrada no campo era tentar simular o processo que leva o transporte de íons e gradientes a serem estabelecidos. Assim, relatei recentes observações sobre a capacidade de antibióticos naturais tornarem membranas permeáveis a cátions. Então, pareceu possível projetar substâncias que poderiam exibir propriedades similares. A pesquisa para tais compostos levou ao design de criptatos, cujo trabalho foi iniciado em outubro de 1967. Essa área de pesquisa expandiu-se rapidamente, tomando, conseqüentemente, a maior parte de meu grupo e desenvolvendo o que, mais tarde, vim a chamar de "química supramolecular". Aspectos orgânicos, inorgânicos e biológicos desse campo foram explorados e as investigações prosseguem. Em 1976, outra linha de pesquisa foi iniciada na área de fotossíntese artificial e armazenamento e conversão química de energia solar; ela esteve, num primeiro momento, ligada com a fotólise da água e, mais tarde, com a fotoredução de dióxido de carbono.

Fui promovido professor associado no início de 1970, e "full professor" em outubro desse mesmo ano. Em 1972 e 1974 (spring semesters) trabalhei, na Universidade de Harvard, como professor visitante, dando conferências e dirigindo projetos de pesquisa. Esse relacionamento extendeu-se até 1980. Em 1979, fui eleito para a cadeira de "Química de Interações Moleculares", no Collége de France, Paris. Quando, em 1980, Alain Horeau retirou-se, dirigi o Laboratório de Química do Collége de France e, conseqüentemente, dividi meu tempo entre os dois Laboratórios: Estrasburgo e Paris, situação que se mantém até o presente. Novas linhas de pesquisa foram desenvolvidas, em particular combinando-se o reconhecimento, transporte e propriedades catalíticas exibidas por espécies supramoleculares com características de fases organizadas, sendo o objetivo o design e realização de "dispositivos moleculares", componentes moleculares que poderiam , eventualmente, ser capazes gerar sinal e processamento da informação a nível molecular. Presentemente, um dos meus principais esforços de pesquisa é devotado à auto-organização, ao design e propriedades de sistemas supramoleculares "programados".

O trabalho científico - realizado em mais de vinte anos, com cerca de 150 colaboradores de mais de vinte países -, tem sido descrito em cerca de 400 publicações e trabalhos de revisão. Durante esses anos, fui professor visitante em outras instituições, o E. T. H., em Zurique, e nas Universidades de Cambridge, Barcelona e Frankfurt.

Em 1965, casei-me com Sylvie Lederer e temos dois filhos - David, nascido em 1966 e, Mathias, em 1969.

Jean-Marie Lehn, 1987.

Tradução e Edição de Texto: Maria Isolete P. M. Alves. Consultoria Científica e Validação: Oswaldo Luiz Alves.

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