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Ainda mais sobre o Biphor : grande "case" brasileiro de transferência de tecnologia, envolvendo a Unicamp e o grupo holandês Bunge.

Interação Universidade-Empresa Bunge desenvolve com Unicamp pigmento especial para tintas, à base de nanopartículas. O mercado potencial para o produto chega a US$ 5 bilhões.

Depois de nove anos de intenso trabalho e investimento conjuntos, a empresa multinacional Bunge e o Instituto de Química (IQ) da Unicamp lançaram o produto que criaram e desenvolveram em parceria: o Biphor, pigmento branco para tintas à base de água, fabricado a partir de nanopartículas de fosfato de alumínio. O anúncio foi feito durante a exposição e congresso da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati), a Abrafati 2005, realizada de 14 a 16 de setembro em São Paulo. Para tintas à base de água, o Biphor poderá substituir o dióxido de titânio, atualmente o único pigmento branco utilizado pela indústria para todos os tipos de tintas, e que apresenta o inconveniente da toxicidade. A empresa estima o mercado potencial do novo produto em pouco mais de US$ 5 bilhões. Em cinco anos, a Bunge pretende que o Biphor substitua o dióxido de titânio em 10% do mercado.

A patente do produto e de seu processo de fabricação é de ambos os parceiros. O lançamento do Biphor, no entanto, não encerra a colaboração empresa-universidade, que vai continuar para aperfeiçoá-lo e ampliar o leque de sua utilização. Embora o novo pigmento esteja fora da área principal de interesse da Bunge - o agronegócio -, a empresa mantém uma equipe de 12 a 15 profissionais dedicada exclusivamente ao Biphor. No mês de julho, estabeleceu novo acordo com o laboratório coordenado pelo professor Fernando Galembeck no Departamento de Físico-Química do IQ, com repasse mensal de R$ 20 mil para a continuidade da pesquisa. No convênio com a universidade, investiu cerca de R$ 1 milhão ao longo do tempo.


O que é o Biphor, de acordo com seu inventor

O Biphor é composto por nanopartículas ocas de fosfato de alumínio. A estrutura externa das nanopartículas é rígida, como uma casca, e tem propriedades químicas diferentes das do seu interior, vazio e plástico. São esses espaços vazios dentro das nanopartículas que dão opacidade ao pigmento.

O truque do novo produto é a tecnologia do processo de fabricação. As nanopartículas ocas do Biphor formam-se espontaneamente, por automontagem (self-assembly). "Essa é a nanotecnologia", diz o professor Galembeck, responsável pela condução das pesquisas na universidade. Ele apresentou o produto em uma palestra técnica no segundo dia do congresso da Abrafati.

Galembeck usa o exemplo do pão, descrito como "uma espuma com paredes e vazios", para explicar o processo. A massa do pão, densa, é colocada no forno e primeiro forma-se a crosta. "A crosta, que é rígida, mantém o volume externo do pão constante", explica. Por causa do aquecimento, a água da massa continua a evaporar. "Se a água evapora e a superfície não pode encolher, o volume tem de diminuir lá dentro - e formam-se os vazios. Os vazios ficam fechados no interior do pão porque a crosta endureceu antes", acrescenta. No caso do pão, costuma-se pincelar a massa com gema de ovo, por exemplo, para facilitar o endurecimento da crosta - o que é impossível com as nanopartículas. "O processo de fabricação foi desenhado para que o fosfato de alumínio, sozinho, produza a casca e os vazios", esclarece.

De acordo com o professor, o Biphor oferece ganhos em relação ao dióxido de titânio: seu uso permite a fabricação de tintas mais duráveis, com melhor desempenho e a custos mais baixos. Outra vantagem é o fato de ele não ser tóxico. Uma empresa norte-americana de certificação, ABC Laboratories, testou a toxicidade através da exposição de peixes ao pigmento, seguindo normas da Environmental Protection Agency (EPA), a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos.

O processo de fabricação do Biphor é também um ponto a favor do novo produto na comparação com o dióxido de titânio, pois, ao contrário do pigmento tradicional, não deixa resíduos. "É um processo de efluente zero", diz Galembeck. "A indústria química, hoje, não tem a menor chance de crescer se criar problemas para o ambiente", avalia. Segundo o consultor Carl Mondoro, da Bunge, o processo de produção do novo pigmento facilita a adequação da empresa às leis ambientais.

Os laboratórios norte-americanos DL Labs e Stonebridge Technical Services fizeram testes comparativos entre tintas com 100% de dióxido de titânio, comumente usadas no Brasil e nos Estados Unidos, e tintas em que a substância foi substituída em 50% pelo Biphor. Os resultados mostraram que a substituição mantém as propriedades das tintas e até melhora algumas delas - diminui, por exemplo, a tendência ao escorrimento.

Galembeck conta que a substituição total do dióxido de titânio por fosfato de alumínio já foi testada e obteve bons resultados. Ele vê isso "com otimismo", mas ressalta que se trata de uma meta para o futuro. O motivo é simples: no momento, a Bunge não tem como atender a toda a demanda. Mesmo assim, ele observa que, tecnicamente, é interessante usar 100% de Biphor quando a tinta fica todo o tempo exposta ao sol - como em telhas de galpões pintadas e em sinalizações no asfalto. "O dióxido de titânio catalisa a agressão do oxigênio à tinta", explica. Catalisar significa, aqui, apressar. Outra possível meta é o desenvolvimento de uma variedade do pigmento adequada ao uso em tintas à base de óleo.


A produção e as vendas do Biphor

No Brasil, a Bunge está dividida em Bunge Alimentos e Bunge Fertilizantes. Uma planta piloto da Bunge Fertilizantes com capacidade para mil toneladas anuais, localizada em Cajati (SP), fará a produção inicial do Biphor. Essa produção será destinada aos fabricantes de tintas na forma de amostras, para que possam testar o pigmento. Segundo Gilmar de Oliveira Pinheiro, gerente global do produto, a planta piloto deve entrar em funcionamento dentro de um mês.

"Talvez o mercado nos leve a outra decisão, mas, até agora, a primeira planta comercial será no Brasil", revela Marc Samson, diretor de desenvolvimento de negócios e tecnologia da Bunge. Se tudo correr bem, a construção da unidade começará no ano que vem. A expectativa da Bunge, acrescenta, é alcançar uma produção de 100 mil a 200 mil toneladas em um período de quatro a oito anos - e ter a planta comercial funcionando já em 2007. Samson não divulga o valor do investimento feito pela empresa até agora, mas diz que está na casa dos milhões de dólares.

Segundo Carl Mondoro, o início das vendas dependerá do tempo que os fabricantes levarem para testar o Biphor, disponível nas formas líquida (slurry) e em pó. O produto deve ser comercializado primeiro no Brasil e na América Latina e depois no resto do mundo. A Bunge tem um planejamento de dez anos para o Biphor, mas ainda está definindo quando ele será lançado no exterior. O preço também não foi fechado, porém a empresa já sabe que será um pouco inferior ao do dióxido de titânio, vendido a cerca de US$ 3 mil a tonelada. Para Mondoro, a combinação do custo atraente com as diferentes opções de formulação e as propriedades do pigmento "criarão uma demanda de mercado" para o produto.


O lado da universidade

Assim como a Bunge, Galembeck está animado com o lançamento do Biphor. "Minha expectativa é muito boa, porque já existe um cronograma para que o produto chegue ao mercado; isso incentiva a continuidade da linha de pesquisa", diz. "Por outro lado, significa um aporte de recursos expressivo para a Unicamp, para o Instituto de Química e para o laboratório" - que ele coordena no Departamento de Físico-Química.

No ano passado, a empresa e a universidade depositaram no Brasil a patente cobrindo o Biphor e seu processo de produção. Neste ano, estão estendendo o pedido aos países signatários do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), que inclui, entre outros, Estados Unidos, Canadá, Japão, nações européias e latino-americanas. A autoria dessas duas patentes é da Unicamp e da Bunge, mas só esta poderá explorá-las - ou seja, produzir e comercializar o Biphor. Pela licença de exploração, a empresa pagará R$ 100 mil à universidade e mais royalties de 1,5% sobre o faturamento do produto durante os 15 anos de validade da patente.

Quem cuidou da redação das patentes e da confecção dos documentos jurídicos ligados ao projeto do Biphor foi a Agência de Inovação da Unicamp (Inova). Na opinião de seu diretor-executivo, Roberto de Alencar Lotufo, a cooperação Bunge-Unicamp é um "caso de sucesso", que "deve ser bastante divulgado para servir de estímulo e exemplo a empresários e pesquisadores". Segundo ele, o projeto mostra as vantagens de uma parceria entre duas partes que se complementam: "A universidade ganha alavancando recursos, enfrentando novos desafios e desenvolvendo novas linhas de pesquisa", afirma. "A empresa ganha desenvolvendo novas áreas de negócios e expandindo suas competências".

De acordo com Lotufo, a Inova teve um papel importante na parceria, "principalmente quando a empresa estava para tomar a decisão crucial de investir pesadamente no projeto ou não". Para a Bunge, explica, o risco já alto desse tipo de projeto seria ainda maior, visto que os negócios da empresa não englobam pigmentos para tintas. "Esse risco não poderia ser somado ao de se fazer uma parceria com uma universidade em que a parte da propriedade intelectual não fosse bem desenvolvida", avalia. Ele diz que a Bunge "sentiu segurança na competência e experiência" da equipe da Inova durante as negociações, e também destaca a confiança recebida do professor Galembeck. "É um projeto exemplar nas relações universidade-empresa e também nas relações pesquisador-Inova".

Galembeck começou a pesquisar fosfatos em 1989; desde então, nove alunos de pós-graduação e pós-doutorado trabalharam nessa linha sob sua orientação. Além de teses e artigos em publicações especializadas, as pesquisas renderam à Unicamp quatro patentes depositadas nos anos 1990.

Em meados dessa década, o laboratório já fazia experiências piloto usando o fosfato de alumínio no lugar do dióxido de titânio. Foi quando a empresa Serrana - na época, pertencente ao Grupo Bunge - tomou conhecimento do trabalho e se interessou por ele. Em 1995, após meses de conversas preliminares e negociações, a empresa firmou um convênio de parceria com a Unicamp. De março do ano seguinte a agosto de 1997 as duas participaram do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com o projeto "Novos Pigmentos Inorgânicos e Híbridos, à Base de Fosfatos". Hoje, a Serrana é uma das marcas da Bunge Fertilizantes.

Segundo Galembeck, de 1996 até hoje a Bunge destinou cerca de R$ 1 milhão à universidade dentro do convênio de parceria. Os recursos, recebidos pela Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), cobriram despesas de operação e também foram usados para remunerar um doutor, o principal microscopista eletrônico do laboratório. No mês de julho, a empresa liberou mais R$ 20 mil mensais, que incluem o pagamento de outro doutor. A contração do terceiro em outubro já foi autorizada.

Na parceria, a Unicamp fez o trabalho de pesquisa em laboratório, enquanto a Bunge encarregou-se de todo o desenvolvimento do produto e do processo. A empresa tem entre 12 e 15 pessoas trabalhando diretamente no projeto do Biphor - número que aumentará agora, após o lançamento. Donald Miller, consultor da empresa, ressaltou o caráter global da equipe envolvida no projeto: há pessoas no Brasil e no exterior, da empresa e da universidade, das áreas técnica e de negócios - que têm um cronograma e se comunicam diariamente por e-mail.

Fundada na Holanda em 1818, a Bunge chegou ao Brasil em 1905. Aqui, emprega 11 mil pessoas e faturou R$ 23,2 bilhões em 2004. No mundo, são 25 mil funcionários em 32 países e um faturamento de US$ 25,2 bilhões no ano passado. De acordo com Marc Samson, não é incomum a empresa trabalhar com universidades e existem outras boas colaborações em andamento. Carl Mondoro acrescenta que, no caso do Biphor, a universidade terá um papel muito importante. Como o produto está fora do agronegócio, o foco da Bunge Fertilizantes, a Unicamp funcionará como um "braço" da empresa para pesquisa, desenvolvimento e tecnologia aplicada. "Os ombros do professor Galembeck terão de ser muito grandes, pois contaremos muito com ele", prevê.


Nota do Managing Editor: este texto, de autoria da jornalista Rachel Bueno, foi publicado em 26 de setembro de 2005, na seção Notícias, do site Inovação Unicamp (http://www.inovacao.unicamp.br), dez dias após o lançamento do produto no Congresso da Abrafati, em São Paulo.


Repercuções:

http://www.paintshow.com.br/versao01/conteudo.asp

www.mail01.vmatrixmail.com/clients/pci_4/pdf/Bunge.pdf

www.latinpressinc.com/editorial/files/inpra/inpra-10-5_el_agua.pdf

www.mail01.vmatrixmail.com/clients/pci_4/submenu_pigments.html

www.paintshow.com.br/versao01/noticias/noticias_01.asp

www.explorer.zielony.pl/travel/Pigment


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