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NOVIDADES
Nestes tempos de severa crise econômica, nos quais os recursos públicos andam escassos, notadamente para o financiamento da ciência, a notícia do lançamento de uma linha de fomento para projetos de pesquisas e divulgação científica com dinheiro privado representa um alento. A partir da segunda semana de agosto, o Instituto Serrapilheira abre as inscrições para a chamada que apoiará até 70 projetos de jovens pesquisadores com dotações de até R$ 100 mil cada, por um ano. Serão contemplados estudos básicos ou aplicados nos campos da ciência da computação, ciências da terra, ciências da vida, engenharias, física, matemática e química. As inscrições se encerram no dia 15 de setembro, às 15h, horário de Brasília. O Instituto Serrapilheira surge no cenário científico brasileiro trazendo inúmeras novidades. A começar pelo fato de ser a primeira iniciativa de caráter privado de apoio à ciência nacional. O Instituto foi criado em 2016 pelo documentarista João Moreira Salles e pela mulher dele, Branca Vianna. O objetivo da entidade é valorizar a ciência, aumentando consequentemente a presença do Brasil no mapa internacional. O Serrapilheira conta com um fundo patrimonial de R$ 350 milhões. Os recursos obtidos com a aplicação desse montante é que serão destinados ao financiamento dos projetos de pesquisa. Podem concorrer à primeira chamada jovem pesquisadores que concluíram o doutorado até 1º de janeiro de 2007 e que estejam formalmente vinculados a universidades e centros ou institutos de pesquisa brasileiros. Mulheres com filhos terão flexibilidade nesse aspecto [2006 ou 2005 para cientistas com um ou mais filhos, respectivamente]. “O principal critério de seleção das propostas que receberão financiamento é a qualidade. Queremos estimular o desenvolvimento de estudos ousados e originais”, afirma o presidente do Serrapilheira, o geneticista francês Hugo Aguilaniu. De acordo com ele, uma das características do edital é que ele confere maior liberdade aos pesquisadores para o uso dos recursos, em comparação com as linhas públicas de financiamento à ciência. “Para nós, não importa se o dinheiro vai ser utilizado para a compra de reagentes, para a contratação de técnicos ou para a participação em um congresso internacional. Nós confiamos no discernimento dos cientistas, que saberão aplicar o dinheiro da melhor forma possível”, explica Aguilaniu. Outra diferença é que a concessão do aporte não estará vinculada a resultados imediatos ou publicações. “Nós entendemos que a pesquisa científica inovadora e de qualidade precisa de tempo. Ao desvincularmos o financiamento dessas exigências, esperamos estimular os pesquisadores a serem mais criativos e a correrem mais riscos”, acrescenta o presidente do Serrapilheira. A análise é compartilhada por Oswaldo Luiz Alves, professor do Instituto de Química (IQ) da Unicamp e integrante do Conselho Científico do Instituto, órgão de assessoramento da equipe executiva. Alves lembra que, ao oferecer essas condições diferenciadas aos jovens pesquisadores brasileiros, o Serrapilheira está contribuindo para a consolidação da carreira de parte de uma geração, que teria dificuldades em obter recursos da mesma natureza em outras linhas de financiamento. “Normalmente, as chamadas das agências públicas de fomento levam muito em consideração o que os pleiteantes já realizaram. Ocorre que o jovem pesquisador ainda está construindo a sua trajetória, o que dificulta o seu acesso aos montantes disponibilizados”, pondera o docente. Tanto Aguilaniu quanto Alves destacam, ainda, outro aspecto da chamada que será lançada pelo Serrapilheira. Segundo eles, o processo será dividido em duas fases. Na primeira, serão contemplados até 70 projetos de pesquisa com R$ 100 mil cada, pelo período de um ano. Estes passarão por duas seleções. A primeira, anônima, será feita com base numa proposta curta, contendo até cinco páginas. A segunda será executada a partir de uma proposta longa, contendo entre 10 e 15 páginas. Participarão das análises os membros do Conselho Científico e pareceristas externos. O geneticista Hugo Aguilaniu (à esq.), presidente do Serrapilheira, e o documentarista João Moreira Salles, que criou o Instituto com sua mulher, Branca Vianna Foto: Reprodução | Revista Fapesp Ao cabo de 12 meses, os projetos contemplados na primeira fase serão reavaliados pelo Conselho Científico, que levará em conta os resultados obtidos e a capacidade que os estudos têm de gerar ideias. “Após esta avaliação, nós indicaremos de 10 a 12 projetos que receberão uma dotação adicional de até R$ 1 milhão cada, pelo período de três anos. São recursos significativos e que certamente contribuirão para o desenvolvimento de pesquisas que trarão impactos muito positivos para a nossa ciência”, antevê o professor Alves. Parte fundos adicionais, conforme o presidente do Serrapilheira, estará condicionada à inclusão, pelos projetos contemplados, de grupos sub-representados no campo da ciência. Embora os critérios inclusivos ainda não estejam definidos, pontua Aguilaniu, a ideia é estimular a diversidade. “Esperamos promover a participação, por exemplo, de seguimentos classificados como minorias e também de pesquisadores baseados em regiões nas quais a ciência ainda precisa se expandir”, adianta. “Essa diversidade é muito importante. Novos pensamentos e novas perspectivas enriquecem a prática científica”, completa o professor Alves. Todos os projetos de pesquisa contemplados, tanto na primeira quanto na segunda etapa de financiamento, terão o compromisso de promover a divulgação de seus trabalhos e dos resultados destes. O objetivo é levar as informações ao conhecimento da sociedade em geral, incentivando dessa maneira a construção de uma cultura científica entre a população. Para tornar essa experiência mais próxima dos leigos, o Serrapilheira sugere que os cientistas promovam essa divulgação a partir de sete conceitos mais amplos: Energia, Espaço, Identidade, Forma, Tempo, Informação e Matéria. “Nós entendemos que os pesquisadores devem ser capazes de explicar seus estudos usando esses conceitos como pontes naturais entre a ciência e a curiosidade humana”, diz o professor Alves, conselheiro científico do Instituto. No entender do presidente do Serrapilheira, o esforço vai no sentido de mostrar aos cidadãos que a ciência é legal e está presente no cotidiano de todos. “Nos Estados Unidos e Europa, existem importantes instituições e personalidades, como os ganhadores do Prêmio Nobel, que servem de referência de ciência para as pessoas. Aqui no Brasil, nós ainda não atingimos esse estágio. Nós temos o Artur Ávila [Artur Ávila Cordeiro de Melo, pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, IMPA], vencedor da Medalha Fields, que equivale ao Prêmio Nobel na área da matemática, mas que é pouco conhecido pelo público em geral. Nós precisamos mudar esse quadro”, avalia Aguilaniu. Segundo o professor Oswaldo Luiz Alves, integrante do Conselho Científico do Instituto, os dados gerados pelos projetos serão abertos e depositados em repositórios de acesso público. Por ser uma entidade sem fins lucrativos, o Serrapilheira não terá qualquer retorno financeiro advindo dos eventuais processos ou produtos gerados pelos projetos de pesquisas apoiados, como esclarece o presidente do Instituto. “O João e a Branca tiveram uma postura admirável. Pensaram no Brasil ao decidirem investir em ciência, sem buscar qualquer benefício pessoal. É uma iniciativa bonita, que mostra que o terceiro setor tem muita capacidade de realização. Nós esperamos que a experiência do Serrapilheira sirva de inspiração para outras pessoas com condições de investir em ciência. Vale destacar que o Instituto não foi criado para concorrer com as agências públicas de fomento, até porque nossos recursos são mais modestos. Nossa intenção é complementar o apoio que já existe, com base em outros critérios”. Todos os dados gerados pelos projetos apoiados pelo Instituto serão abertos e depositados em repositórios de acesso público. “Isso inclui artigos, monografias, códigos e outras informações”, elenca o professor Alves. Questionados se têm expectativas sobre determinados temas a serem investigados pelas pesquisas financiadas pelo Serrapilheira, tanto o conselheiro científico quanto Aguilaniu respondem que não. “Eu espero ser surpreendido por propostas ousadas e criativas”, declara o primeiro. “Eu espero que os projetos revelem o grau de criatividade e potencialidade dos pesquisadores brasileiros”, adianta o segundo. Ao fim de um dado período, revelam, a grande expectativa é que os apoios concedidos sirvam para constituir o que eles denominam preliminarmente de “Comunidade Serrapilheira”, um corpo de pesquisadores capaz de dialogar em pé de igualdade com os mais destacados grupos de pesquisa do mundo. Unicamp. Posted: Jul 28, 2017. Nota do Managing Editor - Esta matéria foi primeiramente veiculada no site da Unicamp e é de autoria de Manuel Alves Filho, com fotos de Antoninho Perri e edições de imagem de Luis Paulo da Silva. |
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